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quarta-feira, 2 de março de 2022

TUDÓLOGO



Toda razão para o Lira Neto:

De fato, sou movido por aquilo que o historiador Carlo Ginzburg chamava de “euforia da ignorância”: assumir não saber nada sobre um assunto, mas estar disposto a aprendê-lo, com disciplina, alegria e esforço, e, por fim, discorrer sobre ele com alguma propriedade. Quase sempre, ao cabo da investigação, termino com mais interrogações do que quando comecei. Quanto mais aprendo, mais tenho dúvidas.

Destaque hoje para os Tudólogos:

Arautos de certezas inabaláveis, luminares do Facebook, são abençoados com o dom do conhecimento instantâneo Ligo a tevê e lá estão eles, nas bancadas dos telejornais: os “tudólogos”, especialistas em nada, comentaristas de tudo. Falam, com a mesma e peculiar desenvoltura, sobre a guerra na Ucrânia, a variante ômicrom e, quem sabe, a influência da pelagem do tamanduá-bandeira na formação psicossocial dos filhos do primo do vizinho da irmã do guarda.

Conhecem tudo sobre geopolítica do leste europeu, epidemiologia, cibercrimes, física quântica, ambientalismo, cinema indiano, literatura gótica, inteligência artificial, psicanálise, Round 6, sexo entre golfinhos e o que mais lhes der na telha. Padres-mestres que têm ideias prontas e firmes sobre qualquer assunto, notícia ou tema.

Com a segurança, soberba e altivez de um catedrático do Twitter, emitem opiniões polivalentes aos jorros, borbotões e esguichos, glosando seja lá qual for o mote em questão: eleições presidenciais, criptomoedas, terrorismo, saúde pública, novas matrizes energéticas, planejamento urbano, táticas de futebol, menopausa do urso panda, o paredão da Linn da Quebrada, o biquíni de crochê da Anitta.

Política cambial, cerimônia do Oscar, desastre de Chernobyl, voto distrital, tráfego aéreo, Primavera Árabe, a morte do Gugu, os glúteos da Kardashian, o último videoclipe da Beyoncé.

Leem dez linhas sobre algo, ao café da manhã, e ao meio-dia ou à tardinha, quando muito, já saem espargindo juízos categóricos sobre a pauta da vez.

Até anteontem, peremptórios, defendiam teses científicas sobre moléculas de RNA mensageiro; hoje, taxativos, derramam conhecimentos históricos sobre a formação étnica do povo ucraniano. 

Morro de inveja deles.

Lira Neto

Viver é Perigoso

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