O mastodôntico portal do Inferno se abre. Surge um bode de chifres retorcidos, corpo de homem, e olhar sagaz. É o funcionário responsável pelas Entradas e Saídas das Trevas. Sem tirar os olhos da mesa em chamas, ele pergunta ao recém-chegado:
– Nome?
O homem adiposo, e de óculos garrafa, responde:- Henry Alfred Kissinger.
– Natural de…?
– Baviera, Alemanha.
– Profissão do senhor…?
– Diplomata.
– Defina diplomata, senhor Kissinger.
– Bem, para mim, é alguém habilidoso o suficiente para tratar com pessoas e resolver situações difíceis.
– A Guerra do Vietnã teria sido uma forma habilidosa de resolver uma situação difícil?
– Acredito que o Vietnã foi uma exceção.
– O genocídio em Bangladesh, tudo indica, foi um plano seu, pois não?
- De fato, tive participação direta lá.
– Também foi uma exceção?
– Em certos casos, não se faz a omelete sem quebrar o ovo.
– 300 mil ovos, no caso.
– Exatamente, mas não altera o princípio do provérbio.
– O senhor considera o golpe militar no Chile, no Brasil e a ditadura argentina uma criação de sua diplomacia?
– Admito que foram ideias minhas.
– Assim como os bombardeios no Laos e Camboja?
– Estaria mentindo se afirmasse que outra pessoa arquitetou todas as ações mencionadas pelo senhor.
– Algum arrependimento?
– Apenas de não ter agido mais diretamente no 11 de Setembro.
– Por quê?
– Achei que o Bush pegou leve demais com o Iraque.
– Oito anos e nove meses de guerra, centenas de milhares de mortos, enforcamento de Saddam Hussein. Isso é pegar leve, secretário?
– Veja bem, como eu lhe dizia…
Nesse momento, o CEO do Inferno entra no recinto. Cumprimenta o ex-secretário de Estado norte-americano, lhe oferece um charuto, e diz:
– Meu querido Hank, mil perdões! Esse interrogatório é procedimento padrão. Vamos entrando, vamos entrando: Pinochet, Reza Pahlavi e Ferdinand Marcos estão loucos pra botar o papo em dia com você!
Carlos Castelo
OESP
Viver é Perigoso