Senhores, lamento decepcioná-los mas, diante das circunstâncias, sou obrigado a informá-los que, a despeito da expectativa geral, 2020 não se encerra hoje. Nem acabará tão cedo.
Há indícios no calendário de que certo ciclo astronômico findaria hoje, mas é mera convenção para orientar balanços de empresas, planos plurianuais de governos e cobradores ávidos por nos encurralar.
Sabemos também que a ilusão do fim do ano é igualmente produto da angústia humana em crer que os fracassos foram temporários, e daqui pra frente tudo vai ser diferente.
Mas algo não depende de convenções nem de boas intenções: é a realidade nua e crua, que ignora desejos e impõe a crueza dos fatos. E 2020 não conseguiu concluir praticamente nenhuma das mazelas terríveis que protagonizou.
Ninguém avisou ao vírus que hoje é dia 31? Que amanhã é o novo dia de uma nova era? Que basta?
Mais realista que as vãs esperanças de bilhões, a Covid-19 não parece se importar com o calendário. E tudo indica que vai escorrendo como uma serpente sorrateira, atravessando impávida a passagem da década e inaugurando o pretenso novo ano com seu rastro de terror, liderando o cortejo de cúmplices.
O mundo enfrenta um colapso humano inédito nos últimos cem anos. E, se alguém espera que tudo mude num piscar da folhinha, melhor saber que as estranhas convenções de 2020 —distanciamento dos semelhantes, confinamentos, máscaras, álcool em gel, desemprego— ficarão por aí por um bom tempo, mesmo com as prometidas vacinas.
O ano de 2020 seguirá, impávido, pelo menos por um bom número de meses.
Enquanto isso, no Brasil, o interminável 2020 parece fadado a durar pelo menos mais dois anos.
Não quero ser tão pessimista. Quem sabe restem solidariedade, higiene, aversão à tirania. E, sim, 2020 alguma hora vai acabar. Nem que demore anos.
Josimar Melo
Viver é Perigoso