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terça-feira, 20 de setembro de 2022

O FIEL RUSLAM


Georgi Vladimov (1931-2003), é o autor ucraniano do Faithful Ruslan”, ou Fiel Ruslan, história de um cachorro feroz que ajudava a guardar um dos campos siberianos de prisioneiros.

Um devastador retrato sobre o crente político quando é abandonado pelo seu dono.

Na União Soviética de Nikita Kruschev. Os crimes do camarada Stálin já foram denunciados e o país conhece uns ares de abertura e 8 milhões de prisioneiros do gulag são libertados.

Voltando ao Ruslam: É através dos seus olhos crédulos, confusos, animalescos que toda a história é contada.

Certo dia, Ruslan acorda e encontra o campo silencioso e coberto de neve. Estranha aquela paz. Não há gritos, não há choros, não há disparos. O que aconteceu?

Sai do barracão e vê os portões abertos. Pensa o óbvio, os prisioneiros fugiram. É hora de os perseguir e despedaçar, sem misericórdia.

Mas o seu dono, que é um dos guardas do campo, está estranhamente calmo, quase resignado, como se tudo aquilo fosse normal. Ruslan não entende a passividade.

Com a sua inteligência de cachorro fiel, ele é incapaz de perceber que o seu dono, em rigor, já não é dono de nada. E que ele, Ruslan, só por um vago sentimento de piedade não foi abatido no bosque, como aconteceu com todos os outros cachorros sem préstimo.

Escorraçado do campo prisional, Ruslan está condenado a uma vida de errância, como um vira-lata. O velho sistema que ele serviu já não existe. Mas ele recusa-se a aceitar a mudança, ou seja, a sua própria irrelevância no novo esquema das coisas. Ele ainda tem uma missão: encontrar os fugitivos, servir o dono, servir a causa. É essa obstinação que ditará o seu funesto destino.

O livro oferece uma lição gélida aos seguidores caninos de qualquer líder oportunista - um cachorro é útil enquanto é útil. Quando seus latidos e sua ferocidade não são mais necessários, o que resta é uma vida de vira-lata.

Ler “Faithful Ruslan” vacina qualquer um contra os entusiasmos políticos.

Depois das próximas eleições no Brasil, milhões de Ruslans vão acordar sem dono. E alguns, os mais lúcidos, vão entender finalmente que o dono já virou a página, procurando uma outra vida, longe daqueles que tão fielmente o serviram.

Esses serão os casos felizes. Os casos infelizes estarão na prisão, fazendo o luto pelas famílias que destroçaram, e perguntando às sombras da madrugada: “Valeu a pena?”.

João Pereira Coutinho (Folha) - resumido

Viver é Perigoso

Um comentário:

Anônimo disse...

A separação propositada entre bons e maus leva a essa destruição social.
Cegueira aproveitada pelo líder de um ou de outro lado.
Esperemos que os perdedores daqui lembrem do que aconteceu com o perdedores do Trump.
Ruslams alcançados pelas leis e sistemas das democracias e abandonados a sua sorte.
Observador de Cena