Translate

sábado, 16 de janeiro de 2016

MENINO DE BOA VISTA


Menino fui na Boa Vista até 1960. O período foi bom até certo bom. Morria-se muito mais do que hoje. E de causas hoje extintas ou dominadas.
Não saberia dizer quanta gente tomou o barco na Boa Vista, é claro, por ingerir misturas diabólicas. Lembro-me vagamente de um menino que morava perto da Fábrica de Macarrão Ferrini, que partiu -  vejam a loucura - após tomar um copo de leite seguido de devorar uma manga. Atroz. Uma garota de cabelos cacheados, da Rua Miguel Braga, dizia-se, devorou duas bananas antes de dormir. Não acordou mais. Melão ainda não tinha sido inventado na época, mas cochichavam que o rapaz que imitava o Elvis, misturou propositadamente pepino com leite, apaixonado não correspondido que era.
Quem afastou definitivamente o perigo das misturas na terrinha, foi o Sr. Edgar da Sorveteria "A Deliciosa", que disparou a fazer e vender vitaminas batidas numa novidade da época, chamada de liquidificador. Talvez a velocidade da hélice eliminasse o veneno.  
Triste o fim do Carlinhos do Sô Almeida. Foi mexer com tesoura em dia de tempestade. Morrer não morreram, mas ficaram com as caras viradas, duas mocinhas, ali de trás da Igreja São José, por tomar café com leite quente e olhar no espelho. São primas e fizeram a arte na mesma hora e no mesmo espelho. Uma ficou assoviando para a direita e outra para a esquerda.
Outro que não morreu, mas anda vagando pelas altas madrugadas da Rua Dona Maria Carneiro, castigado que foi por ouvir rádio em plena quaresma.
Quanto aos velhinhos (naquele tempo as pessoas ficavam velhas mais novas), nada de Alzheimer. Ficavam, recebendo o carinho de todos, caducos e quando morriam, não morriam, descansavam. Um senhor ranzinza e aposentado que morava no Becão, já idoso, beirando os sessenta anos, declarava que não queria descansar nem a pau.
Proibido sequer mencionar que o moço fez mal para a moça. Tiros, facadas, ameaças e, nunca entendi a razão, casamento na cadeia.
Ah! de namorados fugirem acontecia muito. No máximo pegavam o trem de cedo para São Lourenço, passavam uma noite Hotel Águas Virtuosas, comida caseira e ambiente familiar. Deixavam a mãe da moça em pânico e o pai do moço orgulhoso.
No outro dia voltavam ressabiados e amarravam os panos ( só no civil) com discreta festa somente para os mais chegados.
Papo inicial de caduco.

Viver é Perigoso        

2 comentários:

Anônimo disse...

Belo texto.
Outra época.
"Correntes de ar" perigosas após o banho; lavar o cabelo no período menstrual.... a morte.
Hoje morre-se de carne embutida; raios uva e uvb, gordura trans.
No fundo são os mesmos mitos.

Edson Riera disse...

Anônimo das 21:54 horas,

Verdade: Tive um chefe, que descendo de um avião na Alemanha (descia-se e caminhava até o saguão), sob fina neve. Entortou a cara com o choque térmico. Voltou para o Brasil e levou quase um ano em tratamento à base de vitamina B12 para melhorar. Voltar ao normal não conseguiu. O cara era (e ainda é) feio. Ficou melhor com o acidente.

Zelador