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sábado, 4 de maio de 2024

FOI DEUS QUEM QUIS


A reincidência das catastrófes que vitimizam parte da população é em grande monta decorrente do que equívoco no entendimento de que os fenômenos climáticos, apesar de sua sazonalidade, se apresentam como de difícil solução, aquém dos nossos esforços. Se essa percepção era até compreensível em épocas passadas quando o ser humano se apresentava impotente perante os fenômenos naturais e buscava no sobrenatural uma explicação para seus infortúnios, ela não faz sentido algum nestes tempos de acelerado desenvolvimento científico.

É claro que há conhecimento em engenharia civil, hídrica e ambiental, bem como nas ciências climáticas, tanto em urbanismo quanto em saneamento, para minorar as catástrofes ciclicas, cada vez mais recorrentes e intensas. Tragédias como a das encostas de Petrópolis em 2022 ou das enchentes de hoje no Rio Grande do Sul. 

E por que tais tecnologias para prevenção de catástrofes ambientais não são efetivamente utilizadas ? Porque o problema não é técnico, mas ético. Falta vontade política e sobra malversação de verbas públicas. Muitas das prioridades da alocação de recursos públicos se perdem na captação de emendas caríssimas pulverizadas em períodos eleitorais, cujos resultados são aplicações desordenadas e ineficazes sem o respaldo de estudos para sérias políticas públicas de longo prazo.

Dois exemplos estarrecedores da influência nefasta da má política no desperdício de recursos públicos em um local e de carência em outro. A capital de Alagoas foi aquinhoada com 67% da verba total do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional para prevenção de enchentes no ano passado, ao passo que a capital do Rio Grande do Sul não teve um único centavo aplicado na prevenção de enchentes.

Lamentavelmente, aqueles que em vez de capitalizar o poder decisório que os cargos públicos lhes conferem para criar e implementar políticas públicas capazes de se adiantar às catastrófes sazonais frequentemente acabam por fazer justamente o contrário. Isto porque, a ação requerida para combater as tragédias decorrentes dos fenômenos climáticos exigem medidas emergenciais, as quais justificam a dispensa de licitações, e aí é a festa dos desvio de recursos públicos. 

As vantagens pouco republicanas auferidas por parte daqueles que têm comandado o país os colocam na condição de carniceiros que prosperam em meio a desgraça alheia. Para se ter uma ideia da magnitude desse problema para a nação, o secretário nacional de Proteção e Defesa Civil - nosso ilustre Wolney Wolff - apresentou, na Câmara dos Deputados a informação de que mais da metade dos municípios brasileiros esteve em situação de emergência ou estado de calamidade nos anos de 2023. No ano passado a Defesa Civil estimou que cerca de 14,5 milhões de pessoas foram afetadas no país por desastres climáticos, com gastos da ordem de R$ 1,4 bilhão.

Lamentavelmente há exemplos de sobra relativos às desgraças provocadas pelo desrespeito dos homens ao meio ambiente e o sofrimento acarretado. Aqui na terrinha me lembro de que anos atrás, a cada chuva o bairro Nossa Senhora de Fátima era inundado por um rio de lama que escorria das encostas de um loteamento nas imediações da igrejinha do bairro. Então mevem à mente uma senhorinha no meio daquele lamaçal vermelho que, resignada, balançava a cabeça e dizia: "ah, mas foi Deus quem quiz". Pensei comigo que se Deus tivesse dado algo sério seria, então, um pouco de dircenimento para que se avaliasse que aquela desgraça era unicamente obra do ser humano em sua ambição desmedida. Mas foi apenas umareflexão, eu nem retruquei, nem poderia diante da dor dessa gente sofrida, mas fiou minha indignação perante a desgraça anunciada e perversamente capitalizada daqueles que tiram partido da simplicidade e desespero dos desvalidos.

De desgraça em desgraça e da morosidade das obras públicas a vida segue e no presente momento observo aliviado a conclusão da rotatória da BR-459 nas imediações do bairro Jardim das Colinas. Eu e minha família nos arriscamos diariamente ao longo de anos naquele cruzamento, mas tivemos mais sorte do que muitos que se acidentaram gravemente ou até perderam a vida. Conjecturo sobre as promessas de que um viaduto semelhante ao de Pouso Alegre seria construído no local desta rotatória, talves mais realista. Todavia, fica o sentimento de quem, como gestor público à frente de muitas obras de grande monta na Universidade Federal de Itajubá, não se furta em concluir que a solução da comparativamente modesta rotatória poderia ter chegado mais cedo. Serve de consolo o ditado que antes mais tarde do que nunca.

De qualquer forma, como muitos cidadãos me pergunto, onde estão as pontes da rodovia 459? Questionamento procedente em face da privatização do trecho Itajubá-Pouso Alegre que permitiu a concessionária onstruir em regime célere as praças de cobranças de pedágios. Mas cá entre nós, obra de vulto digna do esforço de nossos representantes, seria mesmo um largo anel rodoviário em torno de nossa cidade. Mas a considerar pelo tempo que foi gasto na rotatória há crédito em se duvidar de que algo dessa monta talvez só se torne realidade nas próximas décadas.

Tenho certeza de que nesse período eleitoral a rotatória Jardim das Colinas será inaugurada com discursos inflamados, mas não garanto que serão mencionados os muitos acidentes e vidas que se perderam nesses longos anos de letargia decisória seja de que esfera for.

A verdade é que como cidadão me cabe apenas observar para bem escolher meus representantes do municipal ao federal, para que novas tragédias, sejam nas rodovias ou nas encostas e margens dos nossos rios deste nosso país tão temente a Deus.  E aí então, quiçá, caso insistam em ocorrer pelo menos não serão sob a justificativa de que "foi Deus que quiz".

Dagoberto Alves de Almeida

Professor Titular em Gestão da Produção - Unifei - Reitor eleito e indicado da Unifei nos mandatos 2013-16 e 2017-20

Viver é Perigoso

3 comentários:

Anônimo disse...

Revelemo nos mais por atos q por palavras....
Fala serio....

Anônimo disse...

Madonna e as enchentes do Sul
Somos bons e solidários em momentos de catástrofes, mas falhamos no dia a dia
Matérias da mídia relatam que em Porto Alegre socorristas, pessoas resgatadas e familiares abraçam-se emocionados ao chegar no improvisado hospital de campanha em famoso ponto turístico da cidade. Não é diferente em tantas outras cidades acometidas pelas enchentes.
Tristes cenas que nos tocam profundamente. Mas é importante parar para pensar nas causas dessas catástrofes. Nesses momentos, nossa tendência é fugir dessa reflexão porque são múltiplas as causas, e o cansaço nos atropela.
Sou gaúcho e vivo em São Paulo por uma vida. Mas minhas memórias e sentimentos estão boiando nas enchentes das cidades gaúchas. Daqui, atônito, assisto às imagens dilacerantes.
Percebo que a solidariedade de pensamento e monetária não basta. Telefonemas a amigos e familiares não aplacam a angústia. O que nos resta fazer é estarmos atentos às grandes questões que, se ora atingem o Rio Grande do Sul, amanhã vão atingir outros lugares, até chegar ao nosso local, não duvidemos.
Por isso o aumento do desmatamento da Amazônia nos afeta. Por isso a exploração do petróleo na foz do Amazonas nos atinge. Por isso a pecuária intensiva nos toca. Por isso a produção de soja, milho e cana em proporções de monocultura tanto nos abalam. Por isso o garimpo de ouro nos toca.
Com um pouco de imaginação —essa dádiva que a evolução da vida concedeu à nossa espécie— podemos ver boiando pelas ruas das cidades inundadas do Sul, árvores da Amazônia, vacas do pantanal, grãos de soja do Mato Grosso, tufos de cana do interior de São Paulo, manchas de petróleo da Amazônia, minério de ferro de regiões do Pará e ouro garimpado nas terras Yanomamis. São marcas indeléveis da insanidade que acomete nosso país.
Como se isso não bastasse, há também uma relação com o desperdício de investimentos feitos por gestores públicos em asfaltamento das cidades, com a conivência no aumento desmesurado de construções que provocam ondas de calor, com a redução das áreas verdes e o pouco caso com a poluição.
Desconfiem de asfaltamentos de cidades no último ano das gestões públicas; das maquiagens nas ruas e praças; de melhorias de curto prazo e benefícios repentinos. Precisamos de cuidado permanente e discreto. Necessitamos de solidariedade contínua e não só nos momentos de catástrofe. Que pode ser exercida pela atenção, pelo cuidado, pela participação, pela tomada de consciência de nossos problemas e suas causas reais.
Enquanto isso, Madonna canta no Rio por um cachê de R$ 17 milhões. Do custo total de R$ 60 milhões do show, a prefeitura do Rio de Janeiro e o governo do Estado do Rio de Janeiro bancam R$ 20 milhões. Para que tantas outras prioridades esse recurso deveria ser dirigido? Tantos investimentos para se antecipar e prevenir antes que ocorram. As águas estão chegando nos nossos queixos e o calor avança e nos abala fortemente.
Por tudo isso é tempo de pensar melhor em quem votar nas eleições. É tempo de revermos nossos hábitos. É tempo de nos conscientizarmos de que o impacto que nosso consumo produz na Amazônia retorna em dobro para as cidades em que vivemos. Conexões de vida e da natureza, pois como observamos nesses momentos, tudo está interligado. Inclusive a alegre Madonna e as tristes enchentes do Sul.
Jorge Abrahão
Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.
Moderador se der para publicar agradeço
Mercado-Lógico


Anônimo disse...

Esquece , já foi o tempo EEI....