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quarta-feira, 22 de março de 2023

VERGONHA !

 

Coluna do Élio Gaspari

Os dados preliminares do Censo de 2022 indicam que a Rocinha, do Rio de Janeiro, perderá o título de "maior favela do Brasil" para a comunidade de Sol Nascente, de Brasília. A Rocinha tem cerca de 31 mil habitantes e a Sol Nascente tem 32 mil. Chamá-la de favela é uma impropriedade.

Como milhares de outras, é uma comunidade mal servida. Ainda assim, esta é uma das piores notícias dos últimos tempos.

A comunidade fica a 35 km do Palácio da Alvorada, onde vive o presidente Lula, um migrante nordestino que chegou a São Paulo em 1952. Ele tinha 14 anos quando o presidente Juscelino Kubitschek inaugurou Brasília.

Brasília seria uma cidade de sonhos. Planejada por um arquiteto liberal (Lúcio Costa) e outro comunista (Oscar Niemeyer), seria igualitária, funcional e moderna. Nada a ver com as grandes cidades do país, muito menos com o Rio e suas favelas. 

Não passava pela cabeça de ninguém que Brasília viesse a ter favelas, mas também não passava pela cabeça dos sábios da ocasião onde iriam viver os candangos que construíram aquela maravilha ou os migrantes que ela atrairia. Falava-se em "cidades satélites".Inicialmente, tentou-se absorver o fluxo migratório em cidades como Taguatinga, Sobradinho e Gama. Passou o tempo e os planos foram atropelados.

Brasília é protegida por uma legislação que exige autorização de repartições para se colocar um corrimão numa escada do Itamaraty. Essa parte do Brasil legal continua de pé. Enquanto isso, no Brasil real, dezenas de milhares de pessoas vivem a alguns quilômetros dali, em áreas sem a infraestrutura adequada.

JK pensava numa síntese do progresso, mas o tempo produziu uma síntese do atraso fantasiado de moderno.

Em todas as grandes cidades brasileiras as favelas refletem uma ocupação desordenada dos espaços urbanos. Em Brasília planejou-se tudo, menos um lugar para o pessoal do andar de baixo. Jornalistas que topavam ir para a nova capital habilitavam-se a receber terrenos no lago.

É fácil atribuir os defeitos de Brasília à onipotência planejadora do Estado, mas a comunidade de Sol Nascente é a síntese de um Estado fracassado. Lá, não foi o planejamento que fracassou, foi o fracasso social que prevaleceu.

Numa trapaça do tempo, a região administrativa de Sol Nascente também é chamada de Pôr do Sol. O palácio de JK poderia também ser chamado de Palácio do Poente. A alvorada com que ele sonhou se foi.

Viver é Perigoso

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