Amigos, na minha infância vi certa vez uma folhinha. Lá estava um fim de tarde. Isso aconteceu há mais de quarenta anos, quase meio século. E quando ouço falar em paisagem, penso nesse estarrecedor poente de folhinha.
O tempo passou. Pois bem. Continuo achando que bastaria um poente da folhinha para consagrar a natureza. Não há nada melhor como espetáculo, ou por outra - só o espetáculo da burrice humana pode ser mais empolgante.
De fato, um imbecil chapado é de arrepiar. Lembro-me de um antigo vizinho de quem se dizia à boca pequena: - "É uma besta". Um dia o meu vizinho morre. Fui vê-lo no caixão, de pés juntos, à sombra dos quatro cílios.
Descobri então que o idiota morto é solene, hierático, como um defunto real.
Mas eis o que eu queria dizer: - já fizeram o elogio da loucura e ninguém se lembrou ainda de fazer o elogio, muito mais procedente, da burrice.
Vejam vocês: o Sexo tem o seu Freud, a Economia tem o seu Marx. E ninguém observou o óbvio, ou seja: que a burrice influi muito mais no comportamento humano que o fator sexual, ou econômico, ou outro qualquer.
Daí se conclui que o gênio é um vencido e um miserando. Só o imbecil decide, só ele faz os costumes, as leis, as guerras, a moral e, numa palavra, as civilizações passadas, presentes e futuras. Ao passo que o gênio é o marginal das grandes decisões.
Enquanto o gênio rosna de impotência e frustração, eis o cretino a fazer história.
(Trecho de uma crônica de Nelson Rodrigues em O Globo, de 02/6/1965)
ER
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