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terça-feira, 17 de novembro de 2009

ELOGIO DA BURRICE

Amigos, na minha infância vi certa vez uma folhinha. Lá estava um fim de tarde. Isso aconteceu há mais de quarenta anos, quase meio século. E quando ouço falar em paisagem, penso nesse estarrecedor poente de folhinha.
O tempo passou. Pois bem. Continuo achando que bastaria um poente da folhinha para consagrar a natureza. Não há nada melhor como espetáculo, ou por outra - só o espetáculo da burrice humana pode ser mais empolgante.
De fato, um imbecil chapado é de arrepiar. Lembro-me de um antigo vizinho de quem se dizia à boca pequena: - "É uma besta". Um dia o meu vizinho morre. Fui vê-lo no caixão, de pés juntos, à sombra dos quatro cílios.
Descobri então que o idiota morto é solene, hierático, como um defunto real.
Mas eis o que eu queria dizer: - já fizeram o elogio da loucura e ninguém se lembrou ainda de fazer o elogio, muito mais procedente, da burrice.
Vejam vocês: o Sexo tem o seu Freud, a Economia tem o seu Marx. E ninguém observou o óbvio, ou seja: que a burrice influi muito mais no comportamento humano que o fator sexual, ou econômico, ou outro qualquer.
Daí se conclui que o gênio é um vencido e um miserando. Só o imbecil decide, só ele faz os costumes, as leis, as guerras, a moral e, numa palavra, as civilizações passadas, presentes e futuras. Ao passo que o gênio é o marginal das grandes decisões.
Enquanto o gênio rosna de impotência e frustração, eis o cretino a fazer história.
(Trecho de uma crônica de Nelson Rodrigues em O Globo, de 02/6/1965)
ER

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