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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

ÚLTIMA FRONTEIRA INTOCADA DA TERRA

Em 6 de fevereiro de 2011 os cientistas tiveram de abandonar a estação russa de Vostok, a 1,3 mil quilômetros do Polo Sul, o local mais frio do planeta. Era a data limite para o último avião decolar antes das nevascas. Um experimento excitante e polêmico, que está sendo planejado há mais de 20 anos e executado desde 2009, só vai ser terminado no próximo verão. Foi por pouco que uma sonda russa não atingiu o Lago Vostok, talvez o último grande ecossistema inexplorado pelo Homo sapiens.
No século XIX, um cientista russo imaginou que talvez existissem lagos com água líquida por baixo da calota polar. Na década de 1970, radares que penetram no gelo confirmaram a presença de água líquida. O Lago Vostok estava descoberto. Em 1991, dados coletados por satélites confirmaram a descoberta. Hoje sabemos que o lago é enorme: tem 250 km de comprimento, 50 km de largura, profundidade média de 300 metros e cobre uma área de 15.690 km2. Lá existem ilhas, pequenos lagos periféricos e, talvez, seres vivos. Desde 1991 os cientistas tentam chegar até o lago. No dia 6, quando a perfuração foi interrompida, faltavam dezenas de metros para a sonda penetrar no lago. Mas o inverno chegou e o último avião partiu.
Estudos geológicos determinaram que o lago se formou há 50 milhões de anos e está coberto por gelo há 35 milhões de anos. Se existiam formas de vida no lago, e elas sobreviveram, estão isoladas de todo o resto do bioma da Terra há ao menos 15 milhões de anos. Por causa da alta pressão, a quantidade de oxigênio e nitrogênio dissolvida na água é 50 vezes maior que a da atmosfera. Sabemos também que a água do lago é renovada continuamente. À medida que o gelo se acumula na superfície e é compactado, as camadas mais profundas derretem e se misturam. O excesso de água se transforma em gelo.
Se a curiosidade dos cientistas é grande, a preocupação é maior. O perigo é a possibilidade de contaminação da água do lago. Pelo buraco feito pela sonda russa podem entrar gases da atmosfera, contaminantes químicos ou seres vivos que nunca tiveram a chance de crescer em um lago rico em oxigênio. O medo é que a atividade humana destrua os seres vivos que talvez habitem o lago.
Nos últimos anos, cientistas defenderam a ideia de que esse lago oculto deveria ser deixado em paz. Nada que descobríssemos lá valeria o risco de destruir o ecossistema. Mas a curiosidade venceu, e a última avaliação de risco submetida pelos russos foi aprovada pelo comitê de proteção ambiental do tratado da Antártida. O plano é atingir o lago no próximo verão, deixar que sua água suba pelo buraco feito pela sonda, tampar esse buraco e deixar a água congelar no inverno. Depois, o gelo formado será coletado e analisado e saberemos o que existe lá embaixo.
O Homo sapiens é tão arrogante que imagina que, se existirem seres vivos, eles devem ser criaturas frágeis, dignas de proteção. E se do buraco sair um ser vivo capaz de invadir a superfície do planeta, exterminando plantas e animais? Apesar de muito pouco provável, seria um fim digno para nossa espécie. Condizente com a infinita curiosidade. Por enquanto, nos resta esperar que os cientistas voltem a trabalhar no próximo verão.

Fernando Reinach - O Estado de São Paulo



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