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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

TEMPO PERDIDO


A CABEÇA DE VACA

A Família, num grande esforço, deu-lhe como presente de natal um "Scandalli" vermelho cocada, uma "cabeça de vaca", ou melhor, um acordeon. Era moda nos anos 50, principalmente pelo sucesso de Luis Gonzaga, o rei do baião.
Matriculou-se no conservatório de música da Dna Ruth Chiaradia, na Rua Miguel Braga, com seis anos e na mesma época assumiu o posto de coroinha do padre Generoso na Igreja São José.

Sem faltar sequer a uma aula , estudou por doze anos. Era orgulho musical da Boa Vista, chamado de "garoto prodígio".

De ouvido era zero, apesar do grande tamanho das orelhas. Tocava como manda o figurino, à sombra das partituras. Tinha centenas delas, acumuladas com o tempo.

Era muito esperado nos aniversários de parentes que sempre lhe pediam para tocar a valsa " 25 anos". As tias choravam quando ele tocava "beijinho doce" e os tios se empolgavam quando ele arrancava o dobrado " São Paulo Quatrocentão".

Com a chegada da bossa nova e do rock, a "cabeça de vaca" saiu de moda. Pior, era motivo de gozação entre os jovens.
O instrumento foi guardado ,ou melhor,escondido em cima de um guarda-roupa.
No primeiro ano da escola de engenharia, por razões humanitárias o pessoal resolveu, em votação, fazer uma serenata para o moça mais feia e chata da cidade e também a mais metida.
Convenceram o músico a levar a "cabeça de vaca" e tocar umas valsas.
Fiquei responsável por carregar o estojo do instrumento(que mais parecia uma mala) e as partituras.
A cachaça foi rolando, rolando e quando o grupo saiu para a serenata já estavam todos animados.
Embaixo da janela da moça, o concerto começou. Um vizinho, conhecendo bem a homenageada, abriu a janela e gritou: Ô pessoal, não é engano?
Enquanto o moço tocava a segunda música do repertório escolhido a dedo, o calado Tião Bordé, encarregado da garrafa, começou a despejar o precioso líquido no fole do acordeon. Foi uma garrafa quase inteira. Tanto que pingava por baixo e saia por todos o registros.
O músico, meio que piaco, não observava nada.
Foi quando soou a sirene da Rádio Patrulha. A bruxa tinha chamado a polícia. A correria foi geral.
Eu carregando o estojo saltei para um terreno baldio na Francisco Masseli. Os outros se distribuiram em fuga pelas ruas adjacentes.
O moço do acordeon corria com o bicho preso ao corpo por correias, chamando atenção. Não teve alternativa.Atravessou o rio Pinheirinho com a sanfona na cabeça e escondeu-se no mato.
A RP parou, olhou, olhou... e não vendo ninguém, foi embora. Devagar, a turma cheia de lama foi se reencontrando.
No dia seguinte fui estudar na casa do acordeonista e, vejam só, o acordeon estava aberto e estendido no varal, na tentativa de evaporar o cheiro de cachaça. Nunca mais o cheiro deixou o instrumento.
Só para informação: logo em seguida ao fato, a moça da serenata resolveu entrar para o convento.
Dizem as más linguas que esse fato contribuiu para o aumento da população de evangélicos da cidade.

ER


Um comentário:

wartão disse...

Edson, eu ate desconfio quem e o tocador da cabeca de vaca. Deve ter sido hilariante a cena.
Imagino a acordeon pendurada no varal.......
Espero que ele nao tenha cobrado do Borde o estrago.
Grande Ditinho....
Abs