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quinta-feira, 12 de novembro de 2009

REVERSÃO FORÇADA DE POSICIONAMENTO

Certa vez achei uma fotografia numa caixa de sapatos, onde estavam o meu Pai José, os Tios Antonio, Luis e Mário. Todos ainda jovens (na faixa de 30 a 40 anos), vestidos elegantemente como nunca vi em toda a vida.
Ternos bem cortados, gravatas e, atenção, chapéus !
Ressalte a qualidade da foto (retrato). Muito bem tirada em preto&branco.
O interessante era o manuscrito à caneta, atrás do retrato feito provavelmente por uma Parker 51, que dizia o seguinte: Rio de Janeiro 16/7/50.
Esclareço para os jovens: Foi o dia fatídico em que o Brasil perdeu a Copa do Mundo de 1950, para o Uruguai no Maracanã por 2x1.
Sempre fui muito curioso, e constantemente indagava meu Pai sobre o assunto. Ele falava da epopéia da viagem (mais de 10 horas de carro), pois a Dutra, com uma pista só, foi inaugurada em 1951 e de dificuldades diversas.
Mencionava o sufoco para entrar no Maracanã e de só conseguirem lugar, praticamente tocando a marquise com as mãos. Mais de 200.000 pessoas naquele estádio ainda não terminado. Com muito custo, se ajeitaram no último degrau das arquibancadas, 6 horas antes do jogo começar.
Sem água, sem possibilidade de ir ao banheiro e sentindo a estrutura de concreto armado, literalmente balançar, a coisa começou a se complicar.
Depois de algumas horas de suplício, fizeram uma conferência familiar e votaram por unanimidade pela retirada estratégica, isto é, cair fora antes do início da partida.
Impossível. Não tinham maneira de se deslocar.
O meu Pai, sempre parava a conversa por aí. Ele não demonstrava a mínima vontade de continuar no assunto.
Um dia, nós dois estávamos pescando em uma canoa, quando de surpresa, ele tomou a iniciativa de dar sequência na conversa sobre 1950.
Disse ele: A verdade, é que após um primeiro tempo de zero a zero, o Friaça (jogador brasileiro), marcou um gol logo no início de segundo tempo.
Foi a véspera do apocalipse. As quase duzentas mil pessoas (ele excluia a si e aos meus Tios), pulavam e gritavam de forma alucinada. A estrutura de cimento começou a vibrar mais e mais. O Tio Antonio, que era o mais velho, gritou se fazendo ouvir: "estamos no arroz", que era uma expressão de desespero na época.
Depois da comemoração, a multidão foi se aquietando, contribuindo para a diminuição da vibração da estrutura do estádio.
Suspirando fundo e enxugando o suor do rosto com a gravata, o meu Tio Antonio, como irmão mais velho, chamou os irmãos para mais perto e disse: Se sair outro gol do Brasil, essa merda cai. No que o Tio Mário completou: Se terminar com esse 1x0, a merda vai cair na comemoração no final do jogo.
Meu Pai deu uma pensada e cochichou com os irmãos: Deixar o estádio agora, não será possível. A única maneira de voltarmos vivos para Itajubá, completou ele, é torcer para os "home" (uruguaios). Fechado.
A reversão de posicionamento foi efetuada discretamente.
Deu no que deu. O Uruguai venceu, e todo a multidão se retirou cabisbaixa, num silencio mortal.
Segundo o meu Pai, ele já havia presenciado velórios mais animados.
Finalizou a conversa e não se falou mais do assunto.
ER

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