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sexta-feira, 13 de novembro de 2009

PAIXÃO PLATÕNICA

TEXTO: EU TE AMO, EU TE SINTO, EU TE VIVO
Roberto Freire (Livro Ame e Dê Vexame)
A maior paixão platônica de minha vida foi, sem dúvida nenhuma, a cantora francesa Edith Piaf. Eu a ouvia no rádio desde menino e, mais tarde, em discos que meu Pai comprava em suas viagens ao exterior.
Não entendia uma só palavra das letras que cantava, porém o timbre, a sonoridade e, sobretudo, o tom emocionado da voz de Piaf produziam em mim uma sensação deliciosa e muito estranha. Eu me sentia fascinado, encantado e melancólico ao mesmo tempo.
Esses elementos, associados em proporções diferentes em cada canção, sempre me faziam sonhar, viajar e fantasiar algo romântico e triste, patético e misterioso. E me reportavam também para o estrangeiro, para longe, para experiências desconhecidas ou ainda irreveladas. Porém originadas, ligadas e destinadas ao amor, à relação homem e mulher. Pareciam coisas lembradas ou desejadas com paixão e muita dor. Sempre me excitavam pela intensa sensualidade e, sobretudo, pela beleza, mas uma beleza que eu só pude pressentir em minha adolescência.
Essa era a minha Edith Piaf até que, em 1953, fui morar em Paris. Dos sonhos fundamentais que pude realizar com essa viagem, um foi ver Edith Piaf cantar. E isso aconteceu inúmeras vezes. Meu deslumbramento foi total. Especialmente porque passara a entender as letras de suas canções. Descobria, então, serem suas palavras iguais à sua voz. Logo descobria a razão: Os poetas apaixonados por Piaf como eu, escreviam declarações de amor para ela cantar.Muitos anos depois, ei a vi cantar em São Paulo. Na boate ocorreu o vexame que desejo contar. Numa mesa ao fundo da sala esperava emocionado o início do show. De repente, em meio à penumbra do lugar descubro Edith Piaf vindo em nossa direção, a caminho do palco, sem ser percebida ainda pelo público. Fiquei petrificado de emoção, por tamanha próximidade de meu amor. Ela caminha com cuidado e passa pertinho de mim. Então, como se a tivesse em meus braços, derreto a voz e faço sair do fundo de mim, carregada de toda a velha e encantada paixão, este sopro: "Edith".
Piaf ficou um instante imóvel, voltou-se devagar e olhou-me sorrindo

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