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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

PISTA ESCORREGADIA


O defeito no pé que o obrigava a utilizar uma bengala, segundo ele, com curtas e secas explicações, era de nascença. De acordo com os fofoqueiros da Boa Vista foi devido a uma paulada levada nas imediações do Beco do Saci, num de seus plantões como lobisomem.
Sei lá...
Só sei que depois de fechar a sapataria e bimbalhar os sinos da Igreja São José às seis da tarde, dava a tradicional passada no Bar Caçador para tomar umas três com Fernet. Desciam redondas.
Ás sextas, o bar lotava no final da tarde. Foi quando aconteceu a desgraça.
Conseguindo uma beirada no balcão (na Boa Vista os profissionais só bebem em pé, encostados no balcão. Mesas são para amadores e turistas), o nosso mal-humorado Procópio assumiu a sua cômoda e tradicional posição, ou seja, dava um giro com a perna direita em torno da bengala e apoiava o lado de baixo  do joelho sobre a sua curva.
É bom que se diga sobre o cuidado especial que tinha com sua lustrosa bengala. Constantemente colava um círculo de borracha (pneu) nas partes que tocavam o solo. O caminhar ficava, imagino eu, mais suave e silencioso.
Um vizinho de balcão, antes de virar um copinho de cachaça, deixou cair um gole no chão, como de costume, "pro santo".
Numa ajeitada dada pelo nosso herói, o fundo "slick" da bengala encontrou a pista molhada pela cachaça. Ali começou a derrapagem.
Procópio foi assistindo passar pelos seus olhos assustados toda o vitrine de vidro do Bar Caçador. Passaram suspiros (rosa, branco e amarelo), paçoquinhas Amor, marias-mole (morena e branca), docinhos biriba (por baixo leite e por cima cocada), enfim, todos os produtos "Confiança" fornecidos pelo Sr. Hermínio.
E continuou indo, até ultrapassar uma das portas do bar e enfiar a cabeça por dentro do "quadro" de uma bem equipada bicicleta Humber, estacionada na beira da calçada,
Durante muito tempo ficou a marca do pneu, digo, da bengala, nos ladrilhos do "Caçador".
Não se machucou, mas recusando ajuda, se levantou e erguendo a bengala como D. Pedro I no grito da independência, bradou:
Quem rir, leva porrada!

ER 

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