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quinta-feira, 19 de março de 2020

OUTROS TEMPOS


Convivemos com um amigo, na Boa Vista, é claro, durante alguns anos. Atencioso e conhecido por todos. Tomou o barco há muito tempo. Era médico.

Fez o bem para muita gente.

Estamos lembrando dos anos 60 e nosso personagem, com quem tive muitas conversas, chamava a atenção de todos por já viver naquela época, tempos de coronavírus.

Já atendia os clientes portando máscara (de tecido), substituídas de tempo em tempo. Por nada, durante o trabalho, afastava-se de luvas de plásticos. Na época de plástico mais grosso e, com certeza, desconfortáveis.

Despachava suas receitas médicas escritas com uma indefectível caneta Bic com tinta azul. Jamais a portava sem que não estivesse devidamente envolta em um guardanapo de papel. 

Usava um jaleco pela manhã e outro no período da tarde. Eram lavados em separado e com cuidados e desinfetantes especiais.  

Era inseparável de uma latinha achatada, de aço inox, com detalhes incrustados, parecida com essas de whisky portadas em filmes antigos, contendo cachaça canforada temperada com alguns cravos da  Índia.   Após inevitáveis cumprimentos de mão, que eram restringidos ao máximo, de imediato e mesmo diante do interlocutor, despejava um golinho do líquido e esfregava nas mãos.

Circulava pouquíssimo. Trabalho e casa. Janelas sempre cerradas. A vida toda foi assim.

Apesar do distanciamento de todos e da aparente esquisitice, era considerado uma boa pessoa.

Tive a oportunidade e a honra de acompanhá-lo em uma longa viagem. Ainda estudante e por ser período de férias, funcionei como motorista.

Tive oportunidade de observar os seus cuidados ímpares, que para os mais simples, tratava-se de enjoamento. Para alguns de seus colegas, considerando a comprovada desunião da classe, tratava-se de uma espécie de paranoia.

Foi um bom homem, que se estivesse entre nós nesses tempos viróticos, não estranharia nada.

Homem de visão futurística.

Viver é Perigoso

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