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terça-feira, 13 de janeiro de 2015

HUMOR

...Poucas coisas são tão libertadoras, em todos os âmbitos, como uma ilustração inteligentemente sarcástica sobre qualquer poder político ou religioso.
Todos os poderes odeiam os humoristas e satíricos. Quanto mais tiranos os poderes se revelam, mais os odeiam. Não há nenhum teste melhor para medir o grau de democracia de uma pessoa ou instituição do que sua capacidade de aceitar a ironia sobre ela e o que ela representa.
Se o humor nos desnuda e remove o falso brilho do poder, não faz mais do que nos trazer de volta às nossas origens, já que todos, desde o início dos tempos, nascemos nus, desvalidos, necessitados de tudo. Nascemos sem poder. Chorando, não rindo.
O humor nos liberta das estruturas com as quais os mantos do poder nos vão revestindo e cobrindo. Devolve nossa essência.
Bastaria essa força de libertação de nossos medos, de nossas estúpidas crenças de superioridade, para defendermos os gênios do humor e sua força criativa.
Não existe humor branco ou negro, laico ou religioso. O humor é humor e pronto. Ele pode e deve “profanar” todos os excessos de poder e prevaricações dos poderes que tentam frustrar nossos anseios de liberdade.
Querer fazer distinções aristotélicas entre diferentes tipos de sátira, colocando-lhe adjetivos, é a melhor forma de combatê-la.
O valor e a força do humor residem em sua própria essência provocadora, estridente, inimiga de todo tipo de dogma.
O humor não mata. São os dogmas, de qualquer cor política e religiosa, que têm semeado a Humanidade de cadáveres ao longo da História.
Só os humanos sabemos rir – e rir de nós mesmos.
A liberdade é risonha; o poder dos dogmas, proibições e ameaças tem quase sempre o cenho franzido. Não sabe rir, com medo de desmoronar.
O ser humano é talvez o único a ter consciência de que a morte o espera, ao não ser eterno. E até diante da morte, a dor suprema, o humor é o único lampejo para suportar o luto.
O humor não mata. São os dogmas, de qualquer cor política e religiosa, que têm semeado a Humanidade de cadáveres ao longo da História
A psicologia explica por que tantas vezes, nos enterros, as pessoas às vezes começam a rir sem motivo plausível. Seria um impulso inconsciente que nos alivia, como se disséssemos: “Ainda estou vivo”.
É curioso que em nosso mundo, no qual o poder sente a tentação de castrar a liberdade de expressão, cujo ponto culminante é a sátira, os líderes, políticos ou religiosos, apareçam sempre com as caras sérias, ameaçadoras, zangadas com os pobres mortais, seus súditos.
Com uma exceção: a do papa Francisco, o papa que mais vi rir, até dele mesmo, entre os sete papas que conheci. Talvez por isso ele seja um papa sem medo de dizer o que pensa mesmo que doa, sem apegos ao cargo e sem medo da morte, da qual fala sempre sorrindo.
Querer assassinar o humor é assinar a sentença de morte da esperança de poder lutar e conviver com as feras aninhadas em nossos fantasmas e pesadelos de seres limitados.
Pretender matar o humor e a sátira é tão vão e inútil como querer acabar com o arco-íris. Poderemos continuar matando seus mensageiros, mas o humor e a sátira continuarão surgindo de novo até debaixo das pedras, por mais que o poder não goste.
 
Juan Arias - El País

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