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sexta-feira, 22 de julho de 2011

MEMÓRIA PORTÁTIL

Post do Saulo - Escrito pelo Ruy Castro

Mario Reis (1907-81), o cantor que introduziu a bossa na música vocal brasileira, conhecia todos os sambas e marchinhas de Carnaval do seu tempo e do tempo dos outros. Adorava futebol, e sabia dizer resultado, marcha do placar, escalação dos dois times, nome do juiz e dos bandeirinhas, renda e público de qualquer jogo do Campeonato Carioca de 1920 a 1970. Hoje, Mario poderia dispensar essa fabulosa memória -bastaria consultar o Google.
Meus colegas da Geração Paissandu, no Rio, em meados dos anos 60, também eram feras quando se tratava de desfiar elencos de filmes de qualquer época -não só os elencos, mas as fichas técnicas completas, incluindo o nome do carregador de cabo ou do assistente de cabeleireiro. Outra especialidade nossa era recitar as filmografias (com os filmes pelos títulos originais, claro), e não era vantagem saber a de diretores suecos ou poloneses, porque eles tinham poucos filmes. Hoje é só clicar no Imdb (Internet Movie Database), está tudo lá.
Os motoristas de táxi de Londres eram considerados os melhores do mundo porque não podiam pegar um carro para trabalhar enquanto não passassem por provas duríssimas, em que tinham de localizar, de cabeça, os menores becos e vielas das ruas mais remotas da cidade. Hoje, qualquer foragido de autoescola chega de olhos fechados ao dito beco ou viela -é só programar o GPS.
E outro inglês, o dramaturgo Noël Coward (1899-1973), se orgulhava: "Tenho uma memória de elefante. Aliás, os elefantes às vezes me consultam".
Assim como havia pessoas que se gabavam de saber de cor o número de telefone dos amigos.
Pois esse tipo de conhecimento parece condenado à inutilidade. Toda a memória do mundo cabe agora numa engenhoca portátil, de plástico, que se leva no bolso. Ótimo. Vai sobrar espaço para a cabeça ficar pensando besteiras.

Ruy Castro - Post do Saulo Caridade

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