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domingo, 22 de março de 2020

PRATO PREDILETO


Do Fabrício Carpinejar:

O prato predileto do mineiro não é o feijão tropeiro, não é o fígado com jiló, não é o leitão a pururuca, não é galinha a molho pardo ou ora-pro-nobis. Assim como não é o queijo ou a goiabada e os seus derivados. 

Incrivelmente a iguaria indispensável que ninguém abre mão aqui é o arroz, o simples e prosaico arroz. 

Pode faltar qualquer coisa na mesa, menos arroz. Combina com peixe, com frango, com carne de gado. Ele é a base das misturas, o fundo da fome, o início da gula, os alicerces do sabor. 

Sem arroz, o mineiro não existiria mais. 

Tutu não tem sentido sem arroz. Bambá de couve não tem sentido sem arroz. Vaca atolada não tem sentido sem arroz. Até o angu não tem sentido sem arroz. 

Nos restaurantes, ele sequer é cobrado como guarnição à parte, já vem com os pratos e talheres. 

O arroz é item obrigatório para a composição gastronômica. É mais do que um acompanhamento, desfruta de privilégios de um soberano. 

Nem a cultura oriental é tão devota. 

O povo já nasce sabendo dourar a cebola e o alho e matando a sede dos grãos. Atingiu o doutorado na arte de fazê-lo soltinho, farto, branco, que não gruda no fundo do ferro. Mesmo quem não cozinha, aprende a fazê-lo. 

Possui atributos mágicos de uma farofa, podendo se metamorfosear em diferentes ingredientes, dependendo do cardápio. 

Em uma comparação regional, o arroz é para o mineiro o que a farinha é para o pernambucano. 

Fundamental. Inadiável. 

Ainda que se ofereça um banquete, diante da ausência dele, parece que não veio tudo da cozinha. As pessoas ainda estarão olhando, esperançosas, para a porta. 

Como o arroz, o mineiro não gosta de chamar atenção. É discreto por vocação. Oferece passagem para os outros se destacarem primeiro. Espera o momento certo para se posicionar. Sua resiliência é convicção. Aguarda os desdobramentos da situação adversa em vez de se precipitar com as suas opiniões. Resolve inimizades e oposições com uma audição incansável. 

Como o arroz, dá valor ao essencial, não gasta à toa, dedica-se a cumprir o básico com capricho dentro de casa e no trabalho, não conta vantagem, muito menos ostenta, economiza para não sofrer depois, mantém poupança e fundos em caso de necessidade de saúde. 

Como o arroz, mantém os laços com a grande família. Mesmo adulto, continua saindo de mãos dadas com os velhos. Todos devem permanecer juntos, se possível em casas próximas ou em igual bairro. Sobrinhos são filhos. Tios são pais emprestados. Primos são irmãos de segundo grau. 

Como o arroz, não enxerga diferenças entre o papel principal e o do coadjuvante, acredita na força das poucas mas sinceras palavras. 

Como o arroz, acha que sempre há espaço para mais um, só depende de mais água na panela. 

Como o arroz, aposta na força do conjunto, na solidariedade, para superar tragédias. 

Como o arroz, a culpa nunca é dele, e sim de quem salgou demais.

Viver é Perigoso

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