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quarta-feira, 3 de maio de 2017

A GAIOLA

Em todos os cantos sempre existe um sujeito meio estranho, com tiradas filosóficas, olhar distante e recebedor de olhares desconfiados das crianças. Na Boa Vista, é claro, não tem um só. São muitos.

Conversei com um deles  outro dia. Morador da Av. Capitão Gomes, assíduo frequentador de janela. Lá fica, segundo ele, nos horários certos do trem da Rede Mineira Viação que vinha lá das bandas de Piranguinho. Embora a linha férrea tenha sido retirada há séculos, substituída por um canteiro de palmeiras, segundo ele, nunca se sabe...

Dizia ele, que todos nós guardamos pequenas raivas e desentendimentos acontecidos durante a vida, dentro de uma gaiola alojada no cérebro . Na verdade, não a mágoa, mas a figura de quem a causou. Como passarinhos ou talvez, corvos.
Felizes daqueles que os libertam.

Pois bem...

Lembra-se daquele vizinho mimado, filho único ou criado pela avó, que enchia o saco por tudo. daquele dentista mão de pilão, da professora que torcia as suas orelhas, da menina que lhe fazia pouco caso, do cara que lhe mandou uma estilingada de mamona nas costas, da tia que o entregou para o seu pai ao saber de uma arte cometida, do menino que lhe roubou a namorada, da professora que lhe deu bomba em matemática, da mocinha magra que lhe deu uma tabua  numa brincadeira dançante, do comissário de menores que te barrou na porta do cinema num filme impróprio para menores de 18 anos, do barbeiro que desastradamente aparou demais o seu topete,  do entrevistador que preteriu o seu nome numa seleção para empregos, do chefe que lhe aplicou uma punição, da quase sogra que lhe passou um escovão, daquele político no qual você votou e depois aprontou, daquele “amigo” que fez um comentário irônico numa sua postagem no facebook ?

Segundo o filósofo da Boa Vista, estão todos recolhidos dentro de uma gaiola dentro de sua cabeça. Embora você não goste nem de passar diante dela, mas ela está lá. Alguns cidadãos não têm gaiola, mas viveiros enormes.

Saiu caro a conversa acontecida no cair da noite. 
Pela madrugada fria aconteceu o sonho, ou melhor, o pesadelo.  Ali pelas quatro horas da madrugada abriram a minha gaiola. Surgiram, vivos, perfeitos e mantendo as mesmas maneiras que os levaram para as gaiolas. Até às seis e meia da manhã, desfilaram pela congestionada estrada.

Além do pessoal relativamente próximo e que participaram diretamente do filme, outros surgiram. Reconheci o Stalin com um bigode a la Belchior, Al Capone, a Bruxa com uma maçã na mão, o casal Nardoni de mãos dadas, Maluf, Jânio, Lula, Dilma, Renan, Jucá, Collor, Sarney, Cunha, Dirceu, um que me pareceu o Aécio, Odebrecht, Hitler, Fidel, Hugo Chaves, Maduro, Galvão Bueno, Sergio Cabral, Gilmar, Toffóli, Lewandowski, Judas, Herodes, Trump, não identificadas duplas sertanejas, cantores de pagode e de funk e até alguns jogadores tatuados de futebol.
Mesmo  quem já havia sido completamente esquecido veio a tona.  Lembranças estranhas e ruins.

Acordei.

Sinceramente, já perdoei ou penso que perdoei todos os meus engaiolados, mas constatei que alguns podem ter voltado. 
Passou pela minha imaginação que devo estar (claro, injustamente) dentro da gaiola de alguém.
Caso esteja dentro da sua, afirmo que tudo não passou de um mal entendido. Solte-me.


Viver é Perigoso  

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