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sexta-feira, 14 de abril de 2017

É A VIDA...

Dona Yolanda estava serena no velório do marido Arlindo. Não arredou um segundo da cadeira postada na cabeceira do caixão. Não olhava para o carrancudo Arlindo. Seu olhar seguia adiante, atravessava a janela  e fixava-se na frondosa mangueira existente no quintal vizinho. Não era um olhar triste, nem conformado e tão pouco aflito. Simplesmente um olhar distante.

As pessoas lhe cumprimentavam, apresentavam tapinhas nas costas e proferiam as vazias palavras de praxe. Dona Yolanda mal fitava o visitante. Apenas consentia com a cabeça. 

Comentavam os visitantes. Dona Yolanda está em choque. Ela não derramou sequer uma lágrima. Está completamente passada. Afinal, quase cinquenta anos juntos, só ela e o falecido Arlindo.

Pensando bem, desde que chegaram para morar na cidade, vindos de algum lugar do Estado do Rio, me parece que eram de Queluz, sempre foram de pouca conversa. Ela educada e no máximo ia até a Venda do Sô Bertino, no Bazar do Japonês e claro, sempre nas missas da Igreja São José.

Os comentários seguiam. Nunca vi os dois juntos. O Sr. Arlindo, pegava o trenzinho da Fábrica de Armas, logo cedo e só voltava um pouco antes da Ave-Maria. E bebia e não era pouco no Bar do Zé Treze. Toda à tarde, 3 ou 4 copos lavrados de cachaça. Também era de pouca conversa.

Umas três vezes por semana ia na sessão das 19:30 horas do Cine Paratodos. Não perdia um filme de Índio. Ao término das sessões, ou se enfurnava numa casa de jogos que existia em cima do Café Hélio. Quase sempre esticava a caminhada até uma casinha existente ali na volta da linha. Segundo dizem, tratava de negociações físicas avulsas. Coisas fora de contratos.

Que fique aqui só entre nós, mas a Elvira, que foi vizinha deles por uns tempos, sempre falou que o Arlindo agredia, fisicamente, a Yolanda, quando chegava alterado, o que acontecia muito.

Pois é...Tanto para nada. O Sr. Arlindo descansou e agora fica a boba da Yolanda transpassada.

Sinceramente ? Penso que quem descansou foi a Yolanda e esse ar distante dela é de felicidade contida. Paz e um restinho de vida tranquila.

Faz sentido.

Viver é Perigoso  

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