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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

O SILÊNCIO DIZ MAIS


Lá pelo início dos anos 60, tomou o barco na Boa Vista, claro, assim de repente, uma querida Senhora. Embarcou com muita antecedência aos 54 anos. Antigamente, passou dos 50 já era considerado "de idade". Hoje, muitos ainda estão serelepes depois dos 70. Pelo menos à vista do público.
Dona Soledade (nome não mais usado e em alguns lugares até evitado), cumpriu a sua trajetória terrestre da melhor maneira possível. Colaborou, lógico que em conjunto com o marido Lucas, com parte da explosão demográfica acontecida no período. Treze filhos, com saúde e encaminhados na vida. Doceira prendada participou ativamente do orçamento familiar. Nada desses doces modernos, nos quais, o leite condensado, cremes, achocolatados e outras invenções, enganam a criançada.
Era só na base do açúcar cristal, cravo e canela. Vez por outra, uma especiariazinha encontrada no armazém do Sô Bertino.
Doce de abóbora com côco, arroz doce, figo, casca de laranjas, cidra ralada, banana caramelizada, doce de batata doce,doce de fita, de amendoim e até sagu. Tudo embalado em embalagens de vidro vai e volta. Lógico, exceto os doces individuais caramelizados. Tudo de encarar de joelhos e lamber os dedos.
Religiosa, solidária e sempre, de um jeito ou de outro, buscando um modo de ajudar o próximo.
O Senhor Lucas se virava como desse.
Pedreiro, pintor, desentupidor de chaminés (na época os fogões eram à lenha), marceneiro, bombeiro encanador, ferreiro dos animais da frota de charretes da Dona Mariquinha Guedes e vez por outra providenciava mudanças na sua bagageira.
Gente de bem, mas tirando a Dona Soledade, todos estourados e pavios curtos. Claro, que em defesa de boas causas. Por exemplo, partidas de futebol do Vasquinho.
Velório na casa simples e com amigos saindo pelo ladrão. Enterro seguindo a pé, com centenas de amigos acompanhando.
Trilha sonora triste, com ruídos secos e esganiçados de portas das lojas fechando e murmúrios de orações comandadas pelas amigas, irmãs de Maria, durante todo o trajeto..
Estava lá, ainda menino, quando ouvi do bravo e enérgico Senhor Lucas:
Teremos eleições no ano que vem e se aquele desgraçado e oportunista do Jair, candidato de plantão, vier a falar alguma coisa antes de baixarem o caixão da Soledade irei cobri-lo de pancadas. Arrebento a fuça dele.
- Deixa Pai, completou o Otávio, filho mais velho, vou botá-lo para correr é agora. Nunca foi nosso amigo.
Avisaram e o Jair sumiu de fininho entre os túmulos.
O lugar e a hora exigiam respeito.

Viver é Perigoso   

2 comentários:

ANSELMO disse...

Bonito texto.
Lembrou Nelson Rodrigues.
Parabéns!

Edson Riera disse...

Anselmo,

Um abraço.

Zelador