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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

ACONTECEU NA BOA VISTA


Transcorriam os anos 50 com o Getúlio Vargas no poder. Propaganda ainda no padrão DIP -Departamento de Imprensa e Propaganda , instrumento de censura e propaganda que funcionou de 1939 até 1945.
Na parede da sala, em posição central, estava a fotografia do sorridente velhinho Getúlio Vargas, sorridente e portando a faixa presidencial. Em posições secundárias compunham o ambiente fotos em sépia de ancestrais bigodudos. Antigamente os homens e as mulheres, aparentemente, usavam bigodes. Elas, bigodinhos.
FoI nesse cenário escuro, numa tarde-noite de segunda-feira que o Sr. Epaminondas sentiu uma fortíssima dor de cabeça.
Levado de carro pelo Senhor Brejéco, direto para a Santa Casa. Aconteceu o pior: Derrame. Como ainda não existia UTI ficou alojado no quarto, dentro do que era chamado "balão de oxigênio".
Segundo o médico e o farmacêutico de confiança (eram muito considerados), o embarque definitivo era questão de dias.
Tempo para os filhos virem de São José dos Campos e de São Paulo.
Muito choro e visitas. Acertaram a vaga no campo santo e passaram os dados para impressão da carta fúnebre.
À noite do dia seguinte as máquinas foram desligadas.
Seria velado em casa, na Boa Vista, é claro. Rápida passagem pela Igreja São José, seguindo a pé para a sua última morada.
Passado o impacto da notícia a vida foi seguindo malemá. Primeiros acertos de contas e sugestões para a que a mãe não ficasse sozinha.
E o Sr. Epaminondas respirando sem aparelhos.
As conversas seguiam sobre o pagamento das despesas com a Santa Casa, conta corrente no Banco da Lavoura e o Sr. Epaminondas respirando.
Acertaram com o Padre Generoso o dia e horário da missa de sétimo dia. E o Sr. Epaminondas respirando.
Os genros, noras e cunhados (sempre eles) já estavam passando da tristeza para a raiva. Afinal, a vida precisa continuar. E o Sr. Epaminondas respirando.
As flores recebidas dos colegas da fábrica, da Associação Comercial e da Lira São José murcharam. De nada adiantou colocar comprimidos de Cibalenas e Melhoral dentro dos vasos com água. E o Sr. Epaminondas respirando.
Situação inquietante. Até já deu nas Efemérides do "O Sul de Minas"...
Um bêbado contumaz (do Bairro da Avenida), num momento de raiva do mundo, murmurou: o jeito é acelerar o processo. Crédo ! exclamaram os colegas de balcão.
Transcorridos 12 dias e o falecido Sr. Epaminondas continuava respirando.
Numa manhã chuvosa, quando a enfermeira adentrou no quarto, lá estava sentado na cama, meio barbado, pálido e, desculpem-me, puto, o Sr. Epaminondas, que berrou:
- Não tem café nessa merda ? O meu eu quero com leite e biscoitão da Padaria Boa Vista !

É a vida...

Viver é Perigoso   

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