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sexta-feira, 12 de junho de 2015

JUDITH E HOLOFERNES

 
No pé da letra, os namorados de hoje, imagino, devem se conhecer infinitas vezes mais do que os namorados dos anos 50, 60 e meados de 70.
Na época, na impossibilidade de um conhecimento, digamos assim, mais profundo, utilizavam-se como referências físicas e comportamentais, as figuras dos pais.
O rapaz deverá ser trabalhador, religioso e honesto como o pai. Isso é bom. Sinal verde para o início de namoro.
A mocinha vai continuar bonita como a mãe. Legal. Ou irá ficar descuidada e aparentemente isenta de vaidade como como a mãe ? Nossa ! Melhor ater o pensamento só no presente.
No princípio flertes ligeiros. Não existia a obrigação de fidelidade nos flertes, desde que acontecessem tão somente flashs nos encontros caminhando pela mesma calçada. Fixar o olhar por um tempo maior e disfarçadamente olhar para trás na esquina já significava algum comprometimento. 
Estabelecido o compromisso formal do namoro, de início, longe dos olhares e conhecimento dos pais, com toda a cerimônia conduzida e arranjada por amigas mais chegadas, menos bonitinhas e especializadas na função de cupido, a rotina ficava estabelecida.
Uma vez por semana na saída do colégio, com encontro acidental em frente ao bar do Totó. Caminhada lado a lado, quase sempre silenciosa até a praça principal. Mãos dadas, nem pensar. Nunca analisou-se tanto, em conjunto, as condições climática. Olha que calor, já está esfriando, vai chover...
Encontro na praça no sábado às 17:30. De frente um ao outro com estátuas no espaço entre bancos e canteiros. Um olhando para cada lado. Ele vigiando uma possível aproximação do cunhado encrenqueiro e ela, da mesma forma, espiando uma eventual chegado do irmão ciumento.
No domingo, era sagrado. Não a missa, mas a sessão das 16:15 no Cine Presidente. Se encontravam lá dentro e se possível com as luzes já apagadas.
Momento mágico. Música ambiente com a Orquestra do Bert Kaempert. Respirações aceleradas. Olhos fixos no noticiário antigo que antecedia o filme sem atentar para nada. O filme quanto mais preto e branco, melhor. Produzia certa penumbra tremulante.
Dedinhos timidamente se aproximando. Primeiro um enlace no mindinho. Seguia o avanço até alcançar o ápice do aperto das mãos. 
Em 1962 encontrei com um amigo saindo da sessão das 16:15, já sem a namoradinha. Estava eufórico e com suprema necessidade de conversar com alguém.
- Cara, disse ele. Ficamos de mãos dadas. Você não acredita. É pequena, suave e cinco dedinhos.
Bom, disse eu, e filme Judith e Holofernes foi bom ? Verdade que o Hofernes perde a cabeça ?
- Sei lá quem foi Judith e Holofernes. Quem perdeu a cabeça foi eu. Já não sou dono sozinho da minha vida. 
 
Viver  é Perigoso   

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