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terça-feira, 24 de março de 2015

AINDA TEMOS ESPERANÇA !

 
Pode um taxista revelar com um simples gesto algo sobre a crise desencadeada no Brasil, com o acúmulo de problemas econômicos e políticos, enquanto cresce o mar de lama da corrupção?
Não sei o que o taxista que me levou no sábado em São Paulo de um hotel para um restaurante, junto com três colegas do jornal, pensa sobre a crise política que deixa o país em estado de alerta.
Meu taxista – vou chamá-lo assim porque não sei seu nome – não disse uma só palavra durante os quase 40 minutos do trajeto. Mesmo assim acabou, com um gesto, que eu quis contar aqui, por revelar mais sobre as causas profundas da corrupção que envergonha o país e as pessoas de bem que dezenas de debates.
Do restaurante eu voltaria diretamente para o Rio, e por isso levei a mala no táxi. No meio do almoço, um dos meus colegas me disse: “Juan, a mala está com você?”. Não estava. Tinha esquecido no táxi. Dei-a por perdida. Como encontrar um taxista anônimo no meio dos 33.000 que circulam pela cidade de São Paulo?
Fizemos uma tentativa, ligando para o hotel, para o caso de por milagre o taxista tê-la devolvido. Não. Já procurando outro táxi para ir para o aeroporto, meu colega voltou a ligar, mesmo sem esperança, para o hotel. Surpresa. O taxista tinha voltado e deixado lá a mala, sem deixar seu nome nem um telefone.
Não sei se meu taxista tem filhos. Não sei se a cada noite, quando volta cansado de seu trabalho, como milhões de trabalhadores em todo o país, sem nem sequer conseguir viver confortavelmente, conta para seus filhos as peripécias do dia rodando pela cidade e ouvindo centenas de conversas.
Não sei se lhes contou a história da minha mala, que ele poderia ter levado para sua casa naquela noite como um presente. Se o fez, é possível que os filhos tenham lhe perguntado por que a devolveu. Nesse caso, estou seguro de que esses filhos dificilmente esquecerão, quando entrarem no perigoso rio da vida, o gesto de dignidade de seu pai.
Eu ainda não esqueci quando nosso pai dizia, há mais de 50 anos, para meus dois irmãos e para mim: “Dorme-se e morre-se mais tranquilamente com a consciência limpa.” Morreu muito jovem. Era um professor rural, um simples trabalhador, como meu taxista.
Quis deixar uma gorjeta para o taxista no hotel. Disseram-me que seria impossível localizá-lo. Por isso quis agradecer por seu gesto nesta coluna, que, com certeza, ele nunca vai ler.
Quero agradecer-lhe por ter me revelado, neste momento de crise e de desencanto, que a verdadeira saída talvez comece pela nossa própria conduta individual
Não lhe agradeço apenas por ter devolvido minha mala. Outros taxistas fazem isso até com malas cheias de dinheiro. Quero agradecer-lhe por ter me revelado, neste momento de crise e de desencanto, de perda de confiança em quem nos deveria dar exemplo de honradez profissional, que a verdadeira saída talvez comece pela nossa própria conduta individual.
Seu gesto de homem simplesmente justo e honrado, com respeito a sua consciência, ajuda-nos a lembrar que neste país hoje machucado e sobrecarregado pelo peso da corrupção política nem tudo ainda está perdido nem contaminado pela indignidade. Existem ainda não milhares, mas talvez milhões, de taxistas, de pedreiros, de professores, de funcionários públicos, de pequenos ou grandes empresários, jovens e idosos, pessoas famosas ou anônimas capazes de não renunciar à decência e à própria dignidade, que não são ladrões nem bandidos. Como meu taxista.
Se na história bíblica as corruptas cidades de Sodoma e Gomorra foram aniquiladas porque Deus não encontrou nelas sete homens justos, é certo que, apesar de tanta corrupção, há no Brasil não sete, mas milhões de brasileiros com as mãos e a consciência ainda limpas. Eles terminarão por devolver inclusive internacionalmente o respeito que este grande país merece. E o farão com seus protestos, com sua rejeição a uma classe política que parece ter se tornado indigna de ser guia do país. E com gestos de honradez pessoal como o do meu taxista  de São Paulo.
 
Juan Arias - El País

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