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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

BANALIZAÇÃO DO MAL

Há algum tempo, comentei que estava lendo Eichmann em Jerusalém, de Hannah Arendt. Prometi que faria um breve relato da obra e, como bom cristão, aqui estou para pagar a dívida. Pois bem, o livro conta a história do julgamento de Eichmann pelos judeus, já na década de 60. Esclarece, ainda, a participação do então tenente da SS no extermínio de milhões de judeus (a solução final alemã). É um relato detalhado e cuidadoso.
Mas o que chama a atenção na obra não é, exatamente, o julgamento. Ganha destaque as posições pessoais – e corajosas - de Hannah. Foi justamente essa coragem em dizer a verdade que a custou pesadas críticas da comunidade judia. Neste ponto vale a pena assistir Hannah, filme-biografia lançado no ano passado e que retrata muito bem esse momento histórico.
Quais seriam essas verdades? A primeira é a omissão de lideranças judaicas durante o holocausto, que preferiram a negligência e a negociação com os nazistas a enfrenta-los para proteger – ou ao menos tentar – seus irmãos de sangue.
Também questiona a legitimidade do sequestro (literalmente) levado a cabo pela Mossad em terras argentinas, onde Eichmann se escondia desde o final da guerra.
Hannah também nos coloca a par da mera formalidade do julgamento: Israel havia pré-julgado Eichmann, nada que houvesse no tribunal poderia afastá-lo da execução. Não que o nazista merecesse destino diferente, mas restou claro que seu papel foi pequeno no holocausto. Era um mero burocrata, que cumpria ordens sem qualquer reflexão, que nada tinha contra judeus ou qualquer outro povo. Era um verdadeiro idiota, nada próximo do monstro sanguinário, personificação maniqueísta que até hoje o persegue. Daí sua acertadíssima conclusão: o mal não nasce, necessariamente, de mãos monstruosas. Pode surgir na omissão criminosa, na ausência de civilidade, na falta de preocupação com o próximo. Daí a banalidade do mal.
E essa convicção me parece especialmente correta em tempos de políticos corruptos e mensaleiros, black blocs e crimes de oportunidade. Será que os meninos que mataram o cinegrafista da Band eram essencialmente maus? Ou sua despreocupada incivilidade causou a morte? Estivessem no lugar de Eichmann, fariam diferente? E nossos mensaleiros? Nascidos hipoteticamente na Alemanha nazista, teriam agido de modo distinto?
Não é o mal em sua essência, maniqueísta, que habita nosso inconsciente, que coloca em risco nossa cultura, nosso patrimônio, nossa integridade física. É o mal banalizado. Esse não é facilmente perceptível...
Também fiquei espantado com as pesadas críticas que fez à Nuremberg (não um tribunal para a justiça, mas um tribunal de exceção para os vitoriosos), à então União Soviética e seus crimes de guerra nunca julgados e ao uso das armas atômicas (quem autorizou seu uso era algo melhor que Eichmann?).
Enfim, não é uma obra que se lê em alguns dias, tampouco é algo que nos encha de prazer. Mas vale a leitura porque faz pensar. E muito...

Abraços,

Laissez Faire

Blog: Grato Laissez Faire. Assustador. Acompanhei por livros e jornais a captura e sequestro do Eichmann na Argentina e o seguido julgamento. O mundo, na ocasião, aplaudiu a ação.  Confesso que segui a opinião geral. Estou repensando o tema e vou ler o livro. Quanto a banalidade do mal...
Abraço,
Edson Riera

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Zelador, estamos prestes a conhecer a defesa de uma tese no curso de direito da USP, analisando com a visão do direito os genocídios ocorridos nos países que adotaram o regime comunista em contra-partida com os do holocausto. Vamos aguardar para ver. Nota: Essa tese será defendida por um filho da nossa terra.!!!!