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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

MACUMBA

Diziam na Boa Vista que ele era descendente direto da Dona Berta. A célebre fundadora do famoso Quilombo da Berta, que existiu na região da Pedra Vermelha, lá pelas bandas da Anhumas. Lá se refugiaram os mais rebeldes escravos do Sul de Minas. Guerreiros.
O homem tinha dois metros e tanto de altura. Era cor de um negro, quase chegando no azul.
Era uma fortaleza.
Trabalhava como free-lancer (chic) como chapa, descarregando caminhões e de vagões de trem da Rede Mineira Viação.
Enquanto viveu, nenhuma empresa da cidade chegou a pensar em empilhadeira elétrica, à gás, ou à gasolina. Prá que ? Era só chamar o Macumba.
Macumba era o seu nome e sobrenome. Nunca teve carteira de identidade e muito menos título de eleitor.
Morava solitário num quartinho na volta da linha.
Ninguém jamais o viu sorrindo. Cara fechada, mas com um bom ar.
Nunca tomava a iniciativa da fala. Só respondia com monossílabos que soavam quase como grunhidos.
Pois bem, vamos ao caso.
Estava de passagem pela cidade, instalado no Bairro do Estádio, na esquina de baixo do Clube Itajubense, o Gran Circo Mexicano, cuja principal atração era um lutador de boxe chamado por Kid Demolidor.
Armavam um ringue no picadeiro, logo após as apresentações convencionais de todos os circos, e entrava saltitante, sob a luz dos holofotes, o esculpido Kid.
Os adversários eram da cidade. Homens fortes estimulados por um prêmio de Cr$ 5.000 se aguentassem de pé, um único round.
Nunca ninguém levou a grana. Achar adversários tornou-se uma dificuldade.
No domingo, na despedida do circo, ofereceram Cr$ 10 mil para quem ficasse em pé, um round só.
Um estudante do IEI, parece que de Três Corações, teve  a brilhante ideia de tentar convencer o Macumba a encarar o desafio. O convencimento, ao ser mencionado o prêmio de dez contos, aconteceu rápido.
O próprio estudante, se apresentou como técnico do gigante de ébano itajubense. Providenciou-se calção, tênis e meias na cor preta e instruções sobre as regras da chamada nobre arte. 
Circo lotado e o Macumba com cara de assustado. Esclarecendo: O mexicano (?), mesmo marombado, era a metade do nosso Macumba.
Depois de todo o cerimonial de apresentação, bandinha tocando um animado dobrado e etc, o sino bateu e começou o combate.
O Macumba ficou meio parado no meio do ringue, só olhando. O Kid, jabeava no vazio, girando ao redor do nosso conterrâneo. Um minuto se passou (para os leigos, o assalto ou round, tem a duração de três minutos) e nada. O gringo bailando com leveza e socando o ar, enquanto o negão só olhava.
Silêncio absoluto no respeitável recinto.
Foi quando aconteceu.
O mexicano soltou um cruzado de direita daqueles de desmontar boi carreiro. Pegou no queixo do Macumba, que com enorme estrondo foi ao chão.
Do jeito que caiu ele levantou. Parecia um boneco "joão bobo". Fisionomia transtornada de guerreiro zulu de filme.
Avançou em direção do mexicano e para surpresa geral, principalmente do gringo, deu um sem-pulo (violento chute) direto na zona de recreação do adversário, que virou os olhos, balbuciou algo não compreendido e desabou de bruços.
Mesmo totalmente fora da regra, o tremendo golpe levantou a plateia.
Seis políciais militares, de serviço no local, seguraram e arrastaram o Macumba para fora do circo. Foi levado para a cadeia na Rua Nova.
A ambulância do Samdu chegou para levar o ex-demolidor, ainda em coma, para a Santa Casa.
O estudante de Três Corações foi visto escapando por debaixo da lona.
Macumba, que era conhecido por carregar dois sacos de farinha de trigo de uma só vez, ficou também conhecido como destruidor de um.
É a vida.
 
ER























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