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quarta-feira, 10 de abril de 2013

E POR FALAR EM LÁGRIMAS...

Deschorar. A primeira vez que escutei essa palavra foi quando ainda era moleque na Boa Vista.
Não existe ? Claro que sim !
Ouvi-a pela primeira vez de uma senhora já passando dos sessenta. Naquela época, uma pessoa com sessenta era bem mais velha do que uma com setenta, hoje. Milagres.
Pois bem, a elegante senhora, misseira e sempre carregada no pó de arroz, era casada há séculos com o Sr. Milton. Completaram bodas de tudo quanto é metal precioso e jóias raras.
Não tiveram filhos. Já aposentados, aparentemente, viviam um para outro.
Numa manhã fria de inverno com a neblina cobrindo a torre da igreja São José, o Sr. Milton, inesperadamente, tomou o barco. Sem nenhum aviso prévio. Morreu como um passarinho.
Como dizia o Nelson Rodrigues, Dona Odete chorou lágrimas de esguicho. Uma enxurrada.
A desgraça é que fofoqueiros sempre existiram em qualquer tempo e lugar. Aconteceu. 
Passadas  duas semanas da partida do marido, Dona Odete, ainda de luto fechado, ficou sabendo da existência de uma filial lá pelas bandas da Rodovia.
Tudo comprovado, inclusive com fotografias.
Doeu aquela foto tirada com a Alzira (era o nome da outra) na Aparecida do Norte, para onde ele viajou sozinho a pagar uma promessa.
E o Sr. Milton com aquela cara de santo!
Passado o susto, veio o ódio.
Dona Odete passou a botar a boca no trombone. Isso na feira, na igreja e na Rua Nova. Dizia para todo o mundo:
- Bandido, salafrário e cafajeste, deschorei tudo. Até a última gota.
Esclarecendo: deschorar é diferente de recolher as lágrimas. Recolher as lágrimas ocorre tranquilamente com o passar do tempo. Significa recomeçar, ir adiante. Recaída só em finados, natal e passagem do ano, quando afloram recordações.
A expressão existe.
Voltei a ouví-la outra vez, quando uma solteirona, apaixonada desde o início dos anos 50 pelo Rock Hudson, soube pelos jornais e revistas que ele era gay.
Confessou a moça junto à manicure:
-Respeito o jeito dele mas deschorei tudo o que tinha chorado por ele, e não foi pouco.
Deschorar é grave.
Conheço um cabo eleitoral do Collor que chegou a esse ponto quando da cassação do ex-presidente por corrupção. Tinha chorado de alegria na eleição.
Por essas e outras que é bom chorar só certeza absoluta. Deschorar deve ser muito desgastante.

ER
  

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