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segunda-feira, 25 de março de 2013

TOMANDO O BARCO NA TERRINHA

Não era mole tomar o barco na terrinha nos anos 50 e 60.
Não existia a novidade de funerárias. Somente, existia a do Sr. Paredão, bem localizada (êpa) nas proximidades da Santa Casa. Não abrigava velórios. Apenas, vendia a embalagem.
Os velórios eram realizados na sala de visitas da residência, ficando o caixão apoiado em duas cadeiras.
Os vivos miravam o morto de cima.
O cheiro de flores (não perfume) empesteava o ar, misturado com o odor de velas, sob o fundo musical de choros baixinhos e soluços.
Não era mole.  Morria-se com mais intensidade no passado.
O velório varava a noite com as senhoras vizinhas providenciando garrafas e mais garrafas térmicas de café. Com sorte, corria pela sala até um pratinho de sequilhos.
Os homens proseavam na rua ou no jardim da residência. Casos e mais casos sobre o falecido. Sempre histórias boas e alegres.
Todos que morrem se transformam em bons, pelo menos durante os velórios.
Com a noite avançando, todo mundo ia caindo fora "à francesa" ou, como diziam na Boa Vista, "de fininho".
Lá pelas tantas, permaneciam na sala tão somente uns familiares e dois ou três heróis.
A coisa pegava fogo quando chegava de viagem um parente próximo vindo para o féretro. Começava tudo de novo. choro, abraços e desespero. Dureza.
E na hora de fechar o caixão ?
Sai de baixo. Viúva e filhas eram afastadas quase à força.
Acredite se quiser. O trajeto (de qualquer ponto da cidade) até o cemitério (parece que antigamente o morro era mais elevado) era a pé. Seis homens carregando o caixão em revezamento solene. Solidariedade no limite. Antes da alça metálica começar a ferir a mão, um companheiro encostava-se, dava um tapinha no seu ombro e assumia a posição.
Nunca vi nenhuma mulher nessa atividade. Na época, creio eu, ainda não tinham conquistado mais esse direito.
Acompanhei muitos saindo da Boa Vista. As portas dos estabelecimentos comerciais eram baixadas. Os carros e transeuntes paravam na passagem do féretro.
Tristemente os sinos da Igreja de São José repicavam até enterro passar pelo Café Hélio. Doído.
A Viúva seguia de luto fechado (tudo preto) por um ano. O uso de uma blusinha estampada de roxo já era motivo para coxixos. O filhos usavam na camisa, o chamado "fumo" (tira preta) na manga (como capitão de time de futebol) ou no bolso, por seis meses. 
Nada de músicas, festas, televisão, cinemas ou bailes, durante o período.
Não era fácil para quem ficava.
 
ER
 











Um comentário:

Anônimo disse...

Luto é um ritual e um processo.
Demonstrar a dor (ainda que fingida) é uma forma inteligente de superar a dor da perda.
O povo de antigamente entendia melhor do assunto.
Abs