"... O Brasil tem 213 milhões de habitantes e o mundo, 7,9 bilhões. Temos 2,7% da população mundial e mais de 12% do número total de mortos por covid.
Na primeira semana de janeiro deste ano, o número de óbitos em 7 dias foi 19 mil nos EUA; 6 mil no Brasil; e 5 mil no Reino Unido e na Alemanha. Já na semana de 9 a 15 de abril, os óbitos nos EUA post Trump estavam em queda livre; na Alemanha foram de 2 mil; no Reino Unido saíram do noticiário – e no Brasil alcançaram 20 mil.
Como em nosso país o número de óbitos aumentou mais que no conjunto do resto do mundo, a relação óbitos na semana no Brasil vs. mundo cresceu assustadoramente: nos últimos sete dias. De cada 100 falecidos por covid no mundo, 24 foram brasileiros.
Nesta semana, o Brasil deve chegar a 390 mil mortos de covid. Se a relação mortos por covid no Brasil vs. Mundo fosse igual à da população, deveríamos ter 80 mil. O “excesso” de mais de 300 mil mortos expressa nosso fracasso e nossa vergonha. Há uma chaga a encarar. Uma coisa é haver certa aglomeração por parte de quem precisa trabalhar para comer. Outra coisa é o descaso, as festas, o estímulo a um sentimento de falsa normalidade que beira a patologia.
O que falhou? Por que não usamos devidamente as máscaras? Por que tivemos tantas aglomerações? Por quê? Há uma culpa que corrói a alma. Se continuarmos assim, daqui a algumas semanas o Brasil poderá ter perto de meio milhão de mortos na pandemia. Já em maio, chegaremos a 420 mil (e contando). É como três bombas de Hiroshima, onde morreram 140 mil pessoas.
Países lidam com tragédias – e precisam superá-las. O primeiro passo é reconhecê-las e assumir: isso não deve ocorrer mais.
Não é razoável, não é aceitável que tudo que foi descrito tenha ocorrido e não tenhamos tido a tempo as vacinas que poderíamos aspirar a ter – por nossa importância e pela nossa tradição sanitária.
O Brasil terá que mergulhar nessas questões: Por que tanto absurdo? Por que tantas mortes? Por que não tivemos vacinas antes?
A identificação das responsabilidades será imposta pelas circunstâncias, para poder olhar para o futuro tendo entendido como o País pôde ter tratado seu povo do jeito que tratou. Porque daqui a anos nossos netos nos perguntarão com ar incrédulo: “Como foi que isso aconteceu? O que vocês fizeram para evitar?”. Não poderemos ter o respeito deles se nossa resposta for apenas um silêncio triste."
Fábio Giambiagi - Economista
Viver é Perigoso