Quem gosta de livros, gosta e ponto.
Intrigante ler "Herdando uma biblioteca" - Miguel Sanches Neto. Lá está:
"A bíblia da minha infância era uma edição traduzida por João Ferreira de Almeida. Fui um católico que rezou sempre por uma tradução protestante. Já adulto, minha mãe mandou-me o exemplar. Anos atrás, num momento difícil em que passei complicações de saúde, me agarrei a esta bíblia e voltei a usá-la. Na espera de morosos diagnósticos, abri em pânico o volume para ver o que ele podia me dizer. Caiu no Salmo 91, que li assustado:
Aquele que habita o esconderijo do altíssimo, à sombra do onipotente descansará, porque ele te livrará do laço do passarinheiro, e da peste perniciosa..."
Essas palavras me reconfortaram - eu me reencontrava com a religião da infância. Dias depois, em outra crise, usei o mesmo método. E caiu novamente no Salmo 91. Fechei e abri mais uma vez. Na mesma página.
Não era mensagem divina, mas algo muito bonito. Eu estava revivendo os desesperos de minha mãe. Ela passava horas lendo este salmo e por isso a encadernação acostumada. Ia dar sempre na mesma página.
Escreve o autor:
Uma coleção de livros assume a feição de seu dono e, a não ser que tenha um caráter didático qualquer, só serve para o gosto de quem a construiu. Será sempre difícil que os herdeiros se interessem em manter este acervo. Começa que receber uma biblioteca alheia é um problema logístico: arrumar lugar, transporte, manutenção, catalogação mínima etc.
Sobre os inimigos da biblioteca, narra um trecho do "O último leitor" - Davis Toscana narra a história de Lucio, bibliotecário em Icamole, um lugarejo no deserto mexicano. Lucio recebe um comunicado das autoridades estatais dizendo que por falta de público a biblioteca será fachada. Escreve então uma carta irritada, lembrando que, "assim como a água faz mais falta no deserto e os remédios na doença, os livros são indispensáveis onde ninguém lê ".
Miguel Sanches Neto - é escritor, professor universitário, e crítico literário. Publicou mais de 600 artigos de crítica literária, no Brasil e no exterior e atualmente é reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Viver é Perigoso