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terça-feira, 1 de dezembro de 2020

GRÃ-FINOS EM SÃO PAULO

Comprei o exemplar na Livraria Maíra, em Manaus, em 1980. Para quem está chegando agora, Joel Magno Ribeiro da Silveira, simplesmente Joel Silveira, foi um jornalista e escritor nascido em Lagarto, no Sergipe, em 1918.

Terrível nas suas reportagens. Ferino e impactante. Nos anos 40 ganhou de Assis Chateaubriand o apelido de víbora. 

Sua reportagem "Grã-finos em São Paulo", publicado (1943) na revista "Diretrizes", do Samuel Wainer, abalou a república.

Joel teve que sair fugido de São Paulo.

Um trechinho como aperitivo:

"Durante uma semana, fiquei atordoado com a vida elegante de São Paulo. Haviam me levado para algumas festas. Estive em jantares fascinantes. As mulheres, muito belas e perfumadas. Durante uma tarde inteira, fiquei semideitado numa poltrona de um apartamento chique, no centro da cidade. O dono era um rapaz que eu não conhecia e que possivelmente talvez ainda não saiba quem sou e o que fui lá fazer. Fui de mistura com outros, como penetra. Os rapazes se vestem muito bem e telefonam. Telefonam de cinco em cinco minutos e conversam com Lili, com Fifi, com Lelé.

O primeiro grupo é formado pelos grã-finos de pedrigree, os tais paulistas de quatrocentos anos, e representa o pináculo do grã-finismo. São criaturas repletas de antepassados, aqueles senhores heroicos e sem muitos escrúpulos que rasgaram as matas de São Paulo, vadearam os rios, descobriram as montanhas e fizeram as primeiras cidades. Morreram todos, estão enterrados na história, mas deixaram aos seus descendentes um presente régio: deixaram um cartão de visita, espécie de permanente com o qual um Prado, um Leme e um Alves Lima podem entrar em tudo sem pagar nada.

Podemos citar alguns nomes femininos, os mais requintados e sugestivos, que formam a geleia grã-fina paulista: as Alves Lima, sras. Nélia, Bebé, Vera e Stela, e as sras. Fifi Assunção, Iolanda Penteado, Carminha da Silva Teles, Marjorie da Silva Prado, Belinha Sodré, Alice Mendonça e muitas outras. Em qualquer festa de importância, podemos encontrar todas elas, um grupo à parte, impermeáveis como se estivessem enroladas em papel celofane.

Cintilantes de joias, as senhoras do segundo grupo, o grupo “reserva”, têm olhos derramados sobre a gente de pedigree. É o grupo das filhas dos italianos ricos, o grupo de d. Odete Matarazzo, d. Débora Zampari, d. Rose Frontini, d. Irene Crespi, d. Mimosa Pignatari, d. Helena Noquosi. O pai de d. Odete, por exemplo, veio ver o que havia por aqui, e por aqui havia muito.

Mas há o terceiro grupo, um grupo lamentável e melancólico. É uma gente que não vem lá de longe. Uma gente que nasceu por aí, de família recente, de médicos de Barretos ou comerciantes de Bauru. Uma gente que não tem dinheiro. Os homens vivem de seus pequenos ganchos e comissões. As mulheres sacrificam os maridos, fazem milagres no orçamento mensal — contanto que se tornem dignas do Roof ou do Jequiti. É o grupo do “estribo” e o grupo do “penacho”. Os homens se dependuram na vida mundana de São Paulo como se estivessem num bonde cheio. As mulheres usam terríveis penachos, porque acreditam ser essa a característica principal da grã-fina, como o dente de ouro é característico em todo turco.

Mas o dinheiro está no segundo grupo, e o dinheiro tem voz eloquente e poderosa. O dinheiro é a grande arma do segundo grupo: a arma que dá qualidade ao trabalho dos esforçados italianos, que os credencia na sociedade, que lhes abre e às suas cintilantes esposas as inacessíveis portas dos solares de Piratininga. O dinheiro atrai o primeiro grupo, e os quatrocentos anos de qualquer Prado ou Leme se derretem nos milhões do conde Matarazzo como manteiga em cima de uma chapa quente."

Blog: Imaginem o impacto na época.

Viver é Perigoso

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