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segunda-feira, 16 de outubro de 2017

REGINA, A GALINHA FACISTA


Depois de anos tentando ir para uma granja da metrópole, a galinha Regina conseguiu uma vaga para ela e seus 4 pintinhos. Ela estava muito orgulhosa de poder levar seus filhotes para crescer num ambiente cultural tão rico, tão elevado. 
Regina cresceu numa pequena granja do interior, onde até o acesso a internet era fraco. Ela morria de medo que seus filhos se tornassem aqueles galos bobos e sem influência do interior
.
Chegando à granja metropolitana, ficou impressionada com sua grandeza. Centenas de galinheiros, milhões de galinhas e bilhões de ovos sendo produzidos por dia. Havia uma perfeita harmonia entre as galinhas, galos e os cães, que protegiam toda a granja. Regina foi designada para morar no galinheiro da zona sul, ambiente de galinhas famosas e vida noturna muito agitada. 

- Que dávida! Sempre sonhei em morar nos galinheiros da zona sul! Antes só conhecia esse lugar pelas novelas da TV, agora posso comer uma quirelinha de milho junto com gente famosa, dizia orgulhosa.

Logo no primeiro dia, Regina fez amizade com sua vizinha, a galinha Anita. 

- Que sorte sua conseguir morar aqui, Regina! O Brasil inteiro sonha em viver nesse galinheiro, disse Anita. Você irá conhecer vários artistas, inclusive o cão Galeão Ligeiro, completou sua vizinha.

- Galeão Ligeiro? Meu Deus! Que sonho! Ele sempre foi meu cantor preferido! – Respondeu Regina, ansiosa por um dia encontrar com seu ídolo da adolescência.

No primeiro dia de aula de seus filhos, Regina despediu-se de John, Paul, George e Ringo – seus quatro pintinhos – que foram para escola com os filhos de Anita. 
Ao se despedir, assustou-se com a forma que os dois pintinhos de Anita tratavam sua mãe. Eles eram desobedientes e mal-educados. Usavam roupas estranhas e um penteado estranho na cabeça. 

- Regina, não se assuste com meus filhos. Eles estudam na melhor escola da zona sul, voltada para incentivar suas habilidades artísticas e sociais. Acabam imitando seus professores da escola, riu Anita, orgulhosa de seus pintinhos. Regina sorriu, mas por dentro achou aquilo muito estranho.

Os pintinhos voltaram empolgados da escola. Já no primeiro dia, foram convidados para participar de uma apresentação artística à noite, na praça principal do galinheiro da zona sul. 
Regina estava um pouco preocupada com essa cultura, muito diferente da cultura do interior, mas feliz por poder ir ao evento, ainda mais porque ficou sabendo que o cão Galeão Ligeiro iria participar do evento.

- Irei vê-lo pela primeira vez, disse entusiasmada.

Seus filhotes foram antes para a grande apresentação artística, enquanto Regina e Anita foram depois, conversando pelo caminho. 
Ao chegar na praça, o evento já tinha começado. Quando olhou para o palco, Regina espantou-se. Viu uma fileira de pintinhos passando, um a um, por dentro da boca de um grande cachorro velho. Os pintinhos pulavam dentro da boca do cão por um lado, e saiam do outro. O cão permanecia quieto, sem reação. A plateia batia palmas, e elogios eram entoados por todos os espectadores, formada por galos, galinhas e cães de toda região. 

- PAREM! Gritou Regina. – John, Paul, George e Ringo! Saiam desta fila imediatamente! – Completou. Ela correu para perto de seus filhotes abraçou-os pelas asas, tentando tapar seus olhinhos daquela manifestação.

De repente, uma voz suave e falando meio mole, veio por detrás de dona Regina, dizendo:
- Minha senhora, esta é uma manifestação de arte. Acalme-se, os cães não comem pintinhos! – Disse o cão. Regina olhou para trás e viu que quem falava era seu grande ídolo, Galeão Ligeiro.

- Sinto muito, senhor Ligeiro, sempre fui sua fã, mas isso que vocês estão fazendo aqui é um crime! – Disse Regina, desapontada com seu ídolo.

- Ela é nova por aqui, veio do interior. – Completou Anita, sua recém amiga.

- Minha senhora, é normal que isto choque os velhos conceitos religiosos e morais que temos arraigados em nossa consciência. Seus pintinhos não vão ser impactados por essa experiência. Pelo contrário, suas mentes vão se abrir.

Dona Regina ignorou o que estavam falando e começou a levar seus filhinhos para fora do palco.

- Deixem ela ir. Ainda não está preparada para se expandir culturalmente. – Disse o grande cão Galeão Ligeiro. Enquanto saia, ouvia-se gritos, chamando-a de Fascista.
Irritada, dona Regina foi até a frente do seu agora ex-ídolo, apontou as pontas de suas penas da asa na cara do cão e disse:

- Seu idiota! Não me preocupo com vocês, cães covardes! Preocupo com os lobos que estão na plateia, escondido entre os cachorros, só para assistir essa manifestação maldosa! Não perceberam que eles estão com os olhos arregalados e com a língua babando, só por assistir nossos pintinhos passando dentro de uma boca cheia de dentes!?! – Disse Regina, furiosa.
- E tem mais! – Virou-se para Anita e respondeu: - Veja se acorda, Anita! Continue alimentando o desejo escondido desses lobos na platéia e um dia vai chorar arrependida pelo sumiço de um pintinho seu! 
Vamos embora, meus filhos. Vamos voltar para o interior! É melhor vocês se tornarem galos bobos e sem talento do que se tornarem comida de lobos famintos.

No caminho para de volta ao interior, George, o filho mais novo, pergunta para dona Regina:
- Mamãe, eles estavam te chamando de fascista. O que é isso?

- Não sei, meu filho. Talvez seja porque mamãe não aceita cachorro grande e famoso mandando nela.

Para bom entendedor, meia palavra basta.

Pedro Riera

Viver é Perigoso

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