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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

PENSAR GLOBALMENTE E AGIR LOCALMENTE


 
Presença constante no "viver é perigoso", Pete Seeger, o decano da música folk americana, o ativista pelos direitos civis e pela ecologia, tomou o barco ontem, em Nova Iorque.Tinha 94 anos.
Um dos grandes responsáveis pela transmissão do conhecimento sobre a música de raiz americana. Pete Seeger atravessou todas as convulsões do século XX e as do início deste em que vivemos. Sempre presente. Cantou contra o terror de Hitler, nas décadas de 1930 e 40, opôs-se à utilização da energia nuclear, foi incluído na lista negra do McCarthismo na década de 1950, juntou-se, na década seguinte, aos movimentos pelos direitos cívicos liderados por Martin Luther King e aos protestos dos estudantes americanos na década de 1960, e, já nonagenário, fez questão de marcar presença nas mais recentes manifestações Occupy Wall Street: “Desconfiem dos grandes líderes”, declarou nesse contexto à Associated Press, em 2011. “Desejem que existam muitos, muitos pequenos líderes.”
Pete Seeger era “a consciência da América”.
Nascido a 3 de Maio de 1919 em Manhattan, Nova Iorque, viveu uma vida longa e preenchida, ativa até ao fim.  Deixa na memória coletiva a sua imagem imponente, o rosto adornado pela barba icónica e, a tiracolo, o banjo, instrumento pelo qual se apaixonou ainda muito jovem e que divulgou incansavelmente. Isso e, claro, a sua voz, arma poderosa contra a opressão, qualquer que fosse a forma que esta assumisse.
Filho de um musicólogo e de uma violinista, ambos professores na prestigiada Juilliard School, e enteado de uma compositora modernista, Ruth Crawford Seeger, segunda mulher do pai, Pete Seeger foi colega de John Kennedy enquanto estudante de Sociologia em Harvard, período em que se juntou à Juventude Comunista Americana. 
Abandonou o Partido Comunista em 1950, em conflito com o estalinismo, mas não o invocou em sua defesa perante a Comissão de Atividades Antiamericanas. Recusando-se a qualquer denúncia declarou perante ela, em 1955: “Sinto que não fiz nada de natureza conspirativa em toda a minha vida. Não vou responder a quaisquer questões relacionadas com as minhas filiações, as minhas crenças filosóficas, religiosas ou políticas, ou em quem votei nas últimas eleições, ou qualquer um desses temas da minha privacidade. Julgo ser muito imprópria colocar essas perguntas a um americano, especialmente neste contexto de coação”.
Condenado em 1961 a um ano na prisão, que não chegou a cumprir, foi colocado na lista negra, impedido de atuar na rádio e televisão e proscrito dos grandes palcos.  Passou a tocar apenas em universidades ou em pequenas associações locais. Adepto da máxima “pensar globalmente, agir localmente”, revelou aos jovens estudantes a música americana que eles nem imaginavam existir e mostrou a todos os que o ouviam, dizia, que não era necessário entrar no jogo do comércio para viver em sociedade.
No banjo de Seeger lia-se “This machine surrounds hate and forces it to surrender” (“Esta máquina cerca o ódio e força-o a render-se”).
Firme nas suas convicções, corajoso na sua afronta ao poder, dono de uma coerência a toda a prova, Pete Seeger era um revolucionário humanista, crente no futuro – autor de música para crianças, afirmava que era impossível não acreditar no futuro quando cantava para elas.
O homem que fora sentenciado pelo Estado americano, que erguera a sua voz com Martin Luther King e 200 mil pessoas na Marcha de Washington contra a ignomínia desse crime legalizado que era a segregação racial; ele que amante e estudioso da tradição americana se mantivera sempre aberto ao mundo, já septuagenário, foi distinguido por Bill Clinton com a Medalha Nacional das Artes, a mais alta distinção que o Estado americano atribui aos seus artistas. Cinco anos depois, em 1999, Cuba concedeu-lhe homenagem semelhante, a medalha da Ordem Félix Varela, pelo seu “humanismo e trabalho artístico em defesa do ambiente e contra o racismo”.
Nada disso o alterou. Continuou a tocar regularmente nos pequenos clubes nas redondezas de sua casa, que construíra na década de 1940 e a participar em ações de intervenção social e de ativismo ecológico, principalmente em defesa da despoluição do seu amado rio Hudson.
“A chave para o futuro do mundo”, afirmava em 1994, “é encontrar as histórias otimistas e torná-las conhecidas.” Pete Seeger encontrou as histórias e cantou-as. No processo, pelo seu exemplo e atitude, tornou-se também ele parte da história. Essa, com agá maiúsculo.

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