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terça-feira, 28 de maio de 2013

SARCASMO

O sarcasmo tem uma fama ambivalente que o torna digno de aplauso ou de repulsa. Para alguns o sarcasmo é um sinal de inteligência, mas outros o reduzem ao mau gosto ou a má educação. Em qualquer caso, trata-se de um recurso quase sempre orientado ao humor que, bem utilizado, deixa indiferentes unicamente aqueles que não o entendem.
O interessante é que ultimamente o sarcasmo vem cobrando relevância científica sobretudo no âmbito da neurociência e da linguística porque, segundo alguns especialistas, seu uso e entendimento supõem habilidades cerebrais específicas, uma espécie de trabalho extra com o qual obrigamos nosso cérebro a desenvolver uma maior inteligência.
De certa forma e a nível cerebral, o sarcasmo não é para nada um assunto menor: se já a linguagem é um problema ou fenômeno bastante portentoso, a isto devemos acrescentar essas situações em que uma frase, uma expressão às vezes aparentemente inocentes são utilizadas para dar um sentido completamente oposto do que está sendo dito, pondo em jogo não só o valor figurativo das palavras, senão também as pautas sociais necessárias para compreender essa súbita mudança de direção em um discurso. Sobre isto escreve Richard Chin no Smithsonian:
- "As declarações sarcásticas são um tipo de mentira verdadeira. Diz algo que não significa literalmente e a comunicação funciona como prevê só se quem escuta se dá conta de que o interlocutor não esta sendo sincero. O sarcasmo tem uma qualidade dupla: é divertido e significante. E esta natureza dual leva a teorias contraditórias sobre por que a usamos".Quanto a estas teorias, há os que veem no sarcasmo uma prática  social associada às boas maneiras, uma forma de criticar mas suavizando as possíveis consequências de dita crítica pelo humor com que foi lançada. Outros consideram o sarcasmo um gesto a mais com o que se demonstra superioridade sobre o restante, uma forma de demonstrar que não se é ingênuo.
Mas estas funções mais bem sociais têm um fundamento mais elementar e ao mesmo tempo mais complexo: o cérebro. Segundo alguns estudos, no sarcasmo - seu uso e seu entendimento -, estão envolvidas várias zonas deste órgão, entre elas os lóbulos temporais e o hipocampo, particularmente necessários para identificar por sua inflexão uma voz sarcástica.
Desta forma, sabe-se que o hemisfério esquerdo parece estar dedicado a interpretar as declarações literais, o hemisfério direito e ambos lóbulos frontais parece que seriam os responsáveis por reconhecer quando essa literalidade está transtornada e significa justamente o diametralmente oposto, quando um elogio significa uma desaprovação, por exemplo sua mãe falando: - "Que bonito não Luis Claudio?". Esta conclusão se deve a um estudo recente, quando um grupo de cientistas descobriu que a incapacidade de detectar o sarcasmo pode ser um indício de demência.
Por isto mesmo, longe da moralidade, o sarcasmo é um fenômeno psicológico e cognitivo que merece verdadeiro interesse ou curiosidade a propósito do desenvolvimento de nosso cérebro e como este, ao perceber a realidade que compartilhamos com outros, nos permite ingressar em uma zona comum onde ocorre a compressão e a codificação da linguagem e seus muitos níveis de sentido em uma maneira recíproca.
Neste sentido, é mais ou menos comum que as pessoas que não entendam o sarcasmo sejam usualmente consideradas inocentes, pouco maliciosas, sem a experiência necessária para detectá-lo. Daí que, por exemplo, seja um fato comprovado que as crianças, efetivamente, não sejam capazes nem de compreender nem de formar por si próprios um comentário com esta intenção. E não se trata só de circunstâncias sociais.
De acordo com Esther Inglis-Arkell, entre os 8 e os 9 anos o cérebro das crianças só reconhece o sarcasmo pela entonação que é dada à frase, que se associa e se distingue de outras emoções expressadas e escutadas assim em outras pessoas. Nesta idade, o espectro de inflexões reconhecíveis é bem mais limitado a um punhado de estados de ânimo bem elementares: alegria, raiva, tranquilidade, neutralidade também.
No entanto, conforme o cérebro vai se desenvolvendo e, particularmente, as habilidades sociais, o sarcasmo se dissocia de sua qualidade vocal e passa a ser reconhecido pelo sentido e pela intenção, duas propriedades linguísticas que requerem que uma pessoa seja capaz de imaginar a maneira de pensar de outra (até certo ponto), de elaborar um processo cognitivo relativamente complexo mediante o qual entende o que o outro quer dizer. Em uma palavra: empatia; qualidade que começa a se refinar próximo as 11 ou 12 anos.
E esse, talvez, é o grande paradoxo do sarcasmo: para poder entendê-lo, para codificá-lo e ainda para que uma pessoa possa exercê-lo, requer ser notavelmente empático, algo que algumas pessoas, por serem extremamente egoístas, não sabem fazê-lo.
 
Metamorfose Digital


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