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quarta-feira, 4 de abril de 2012

NÃO CHORES POR MIM ARGENTINA

De um argentino para os americanos:
Aos EUA, as nossas lições sobre decadência.
Bem-vindos ao clube! Decair não é tão ruim.
Crescer na Argentina implica continuamente praticar o revisionismo histórico e ceder à nostalgia de nossa grandeza passada.
Na realidade, é uma nostalgia da grandeza à qual sentimos ter direito, mas da qual, por alguma razão, fomos privados. A psique argentina reside na terra do "deveria, teria, poderia ter". Se o Brasil é o eterno país do futuro, a Argentina é o país do passado perenemente dourado.
Nós somos obcecados em olhar para trás, para um tempo (há um século, digamos) em que nosso PIB era comparável ao das potências europeias. Coçamos nossas cabeças tentando entender como pudemos fazer tudo errado desde então. Ah, se...
A Argentina é a decana do clube de nações totalmente obcecadas por seu declínio. Logo, é um grande prazer para nós receber os Estados Unidos em nossa irmandade mal-humorada. Sejam bem-vindos, mas se preparem para muitos comentários sarcásticos. Pessoalmente, estou farto de ouvir que "o Japão é um exemplo do quanto é possível fazer com tão pouco; a Argentina é o contrário". Há o igualmente irritante "a Austrália é o que a Argentina poderia ter sido". Os brasileiros me dão aflição com o seu convite sutil para que a Argentina se torne "o seu Canadá".
Mas os tempos globais difíceis fazem a nossa experiência parecer relevante. Por isso, nossa presidente aproveita toda oportunidade para pregar sobre o "modelo argentino". Não é um modelo de desenvolvimento. É um modelo de resiliência.
Sabe por que? Quando olhamos a Grécia, sorrimos. Sabemos imediata e instintivamente o que é aquela confusão toda. Vemos os "indignados" espanhóis como irmãos. "Ocupe Wall Street" nos parece ser a versão de Hollywood de "Que se vayan todos", movimento que afastou o presidente De La Rúa, há uma década, e nos permitiu o privilégio raro de ter cinco presidentes em uma semana.
Tá vendo, América? Vocês ainda têm muito chão pela frente.
Não se preocupem: um declínio obsessivo não é de todo ruim. É uma dádiva para livreiros, psicanalistas e analistas políticos pessimistas. Converte taxistas em filósofos. Parece fazer maravilhas também pelo consumo de carne vermelha e vinho, sem falar nas conversas de café de final de noite, cheias de angústia existencial. Buenos Aires curte final de noite e angústia existencial como ninguém. Quem sabe o Kansas assista ao surgimento de sua própria dança melancólica que lembre o tango.
Mas, para que vocês americanos possam entrar para o clube das nações em declínio obsessivo, ainda há algo que precisam fazer. Guerras sem sentido, política fiscal insensata e decadência cultural não bastam.
Vocês também precisam se livrar da sua fé na possibilidade de reinvenção. Sim, precisam desistir daquilo que Mangabeira Unger e Cornel West descreveram como "a religião americana da possibilidade".
A ordem natural das coisas é que a democracia realize um ideal e que os próprios indivíduos se realizem? Esqueçam. Isso é um obstáculo ao gozo pleno do declínio, sempre acompanhado de fatalismo resignado.
A religião americana da possibilidade é o que nós, de outras partes do mundo, mais admiramos nos EUA ao longo da história. Nós, argentinos, estamos tão envolvidos em nosso drama histórico que é difícil perceber quão grandes fomos de fato.
Mas pessoas de todo o mundo vieram para cá, sim, em busca de felicidade e realização. A maioria dos filhos delas ainda ama esta terra. Nossos vizinhos gostam de nós mais do que se dispõem a admitir. Quem sabe algum dia ainda possamos conquistar a grandeza -ou ao menos um ponto de equilíbrio entre humor e angústia existencial, tornando os nossos "poderíamos-ter-sidos" mais folclóricos e menos dolorosos.
GABRIEL SAEZ - Mestre em relações internacionais pela Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (Argentina), é assessor na Câmara dos Deputados do país - Escreveu para a Folha - trechos.
ER 


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