Fábula do Millor:
Régio Nonada ficou olhando o açougueiro empacotar cuidadosamente suas compras, e, quando o açougueiro já estava atento a seus próprios gestos, mexeu acintosamente na carteira e disse, pesaroso: "Xi, seu Antônio, estou sem um níquel, depois eu pago." Seu Antônio já conhecia o Régio. Disse: "Não faz mal, doutor Régio, eu aceito um cheque." Régio fez uma expressão inda mais pesarosa: "Seu Antônio, o senhor sabe que deixei tudo em cima da cama, na hora de sair? Mas, olha, de tarde mesmo passo por aqui e pago."
O açougueiro fez um ar de desespero e disse, botando a mão no embrulho: "O senhor vai perdoar, doutor Régio, mas da última vez que ficou devendo, levou três meses pra me pagar. Não posso fiar, não; eu vivo disso". Régio botou também a mão em cima do pacote: "Olha, seu Antônio, o senhor sabe como eu sou supersticioso. Juro que volto com o dinheiro logo depois do almoço. Se não voltar, quero que me caia a língua!” Régio falou com tal sinceridade que o açougueiro não teve jeito. Tirou a mão de cima do embrulho e deu de ombros, aborrecido, como quem diz “Tá bem!”. Régio saiu do açougue, dobrou a esquina e, ali mesmo, abriu o pacote de carne. No meio do acém, das tripas e das costeletas estava a língua. Pegou-a e deixou-a cair no chão.
Millor