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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

SOFRER PELO BOTAFOGO

Para o João Heleno, Roni, Gatinho, Fabiano, Zé Maria, Marreco, Sylvio Riera, Binha, Cesário e todos os outros 6 botafoguenses da terrinha:
(do imortal Nelson Rodrigues)

Todos os torcedores de futebol se parecem entre si como soldadinhos de chumbo.
Têm o mesmo comportamento e xingam, com a mesma exuberância e os mesmos nomes feios, o juiz, os bandeirinhas, os adversários e os jogadores do próprio time.
Há porém, um torcedor, entre tantos, entre todos, que não se parece com ninguém e que apresenta uma forte, crespa e irressistível personalidade. Ponham uma barba postiça num torcedor do Botafogo, dêem-lhe óculos escuros, raspem-lhe as impressões digitais e, ainda assim, ele será inconfundível. Por quê ?
Pelo seguinte: - há, no alvinegro, a emanação específica de um pessimismo imortal. Pergunto eu: - por que vamos ao campo de futebol ? Porque esperamos a vitória.
Esse otimismo é o impulso interior que nos leva a comprar ingresso e vibrar os noventa minutos. E, no campo,o otimismo continua a crepitar furiosamente.
Mas o torcedor do Botafogo é diferente: - ele compra o seu ingresso como quem adquire o direito, que lhe é sagrado e inalienável, de sofrer. Eis a verdade: - ele não vai a campo ver futebol. O futebol é um detalhe secundário e, mesmo desprezível. Ele quer, acima de tudo, desgrenhar-se, esganiçar-se e rugir contra o técnico e contra os jogadores.
No dia que retirarem do torcedor alvinegro o inefável direito de sofrer e, sobretudo,o direito ainda mais inefável de descompor o seu técnico, ele ficará inconsolável, como um ser que perde, subitamente, a sua função e o seu destino.
Tudo na vida é uma questão de hábito. E o cidadão que padece todos os dias, acaba-se afeiçoando ao próprio martírio ou mais do que isso: - o martírio torna-se insubstituível como um vício funesto.
É o caso da torcida alvinegra sofre e já não pode viver de outra forma.

Nelson Rodrigues 

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