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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

RODA VIVA

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...


A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...


Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...


A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir


Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...


Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...


A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...


A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...


Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...


O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou...

No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...


Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...


Chico Buarque

3 comentários:

Anônimo disse...

Letra de gênio
Chico Buarque,quando fez esta letra, fazia parte do grupo de intelectuais e artistas que apregoavam a volta à democracia, por meio de versos e músicas "disfarçadamente" criticando os militares da ditadura. A música foi lançada ao público no LP "Chico Buarque de Hollanda Vol. 3" de 1968.
A letra da música mostra de forma “camuflada” o retrato fiel da época da Ditadura do Brasil, onde qualquer produção intelectual, social e cultural era interrompida pelo poder ditador da época.
Na passagem que diz: “Faz tempo que a gente cultiva, A mais linda roseira que há, Mas eis que chega a roda viva, E carrega a roseira prá lá...”, tudo que era belo criado e construído como exaltação intelectual e cultural é tirado do criador pela roda vida, aqui facilmente identificada como sendo a ditadura militar.
Nesta estrofe podemos ver que tudo que de certa forma poderia ser uma ameaça ao novo regime era destruído e queimado: “O samba, a viola, a roseira, Que um dia a fogueira queimou, Foi tudo ilusão passageira, Que a brisa primeira levou...”Essa espécie de vendaval arrebata a voz, o destino das pessoas e a capacidade de exprimir artisticamente seu sofrimento:arrebata-lhes ainda a viola . A roda-viva arrebata da gente a roseira há tanto cultivada e que não teve tempo de exibir tudo o que prometia.

A composição expressa o desejo de ser o sujeito da própria história,o querer ter voz ativa, o ir contra a corrente (da roda-viva), o cultivo da rosa, o tocar viola na rua e a saudade de tudo isso. A roda-viva vem expressa numa frase reiterada: "Mas eis que chega a roda-viva e carrega (o que quer que seja) pra lá". A conjunção "mas" sinaliza justamente essa mudança de direção. A frase "eis que chega..." vem sempre ligada na letra a um tipo de estribilho, a uma fórmula aparentemente ingênua, que lembra as cantigas de roda: "roda mundo, roda gigante/ roda-moinho, roda pião/ o tempo rodou num instante nas voltas do meu coração". Essa fórmula, inocente na aparência, dado seu teor caótico e quase surrealista (típico de enigmas, cantigas de ninar etc.) e a referência a brinquedos infantis (roda-gigante, pião), tem o efeito de exprimir um desnorteio, uma situação absurda, fora do esquadro. De fato, não é possível conceber a ditadura como algo natural. Ela não pertence à ordem da razão.

A...

Edson Riera disse...

A,

De fato:
"...tem o efeito de exprimir um desnorteio, uma situação absurda, fora do esquadro."

zelador

Aldo disse...

O Chico já foi muito bom. Digo já foi porque o ultimo cd dele está uma bela porcaria. Da época dos festivais sobrou só o Gil. O Caetano também parou no tempo e no espaço. De qualquer modo o que já fizeram já valeu suas vidas, ao menos para nós e para todas as gerações futuras que dificilmente farão músicas como eles já fizeram. Aquela época foi a "renascença" brasileira.