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sábado, 7 de novembro de 2009

SR. FELIPE PIZZUTO

Dizem que o diabo sabe muito, não porque é diabo, mas porque é velho.

Lógico! Os velhos já viveram mais, já viram mais e se não passaram a vida distraídos, obrigatoriamente sabem mais.
O que importa é que conheci o Sr. Felipe Pizzuto (1884/1963). Italiano, fabricante de charretes, bravo e nervoso como nunca vi outro. (hoje, em justa homenagem, é nome da rua onde moro).

Pois bem, o Sr. Felipe era de pouca ou nenhuma conversa. Depois de aposentado, ele saia de casa uma vez por semana para fazer a barba e o bigode na barbearia do Anibal, próxima á Igreja de São José.
E que bigode ! Tinha um palmo de cada lado e, no final de cada lado, dava uma subida como um ponto de interrogação. Era de um branco meio amarelado (talvez pelo cigarro).

O bigodão era o maior orgulho do Sr. Felipe. Dizia , para os poucos com quem conversava, que era das poucas coisas que o acompanharam na sua vinda da Itália.
Quando ele entrava na barbearia, o silêncio era total e ia direto para a cadeira do barbeiro. Quem estivesse lá , que saísse e esperasse. Passava na frente de todos.
Para o Sr. Felipe, nunca existiu fila nem para confessar e comungar. Todos já sabiam que ele era uma preferência nacional. Ninguém tinha peito para questionar.
Uma bela manhã, ele chegou, colocou a bengala no porta-bengalas que ficava debaixo do espelho principal e sentou .
Como sempre, ele sentava,deitava a cabeça no reencosto almofadado e imediatamente caia no sono. Naquele dia fatídico, o barbeiro principal Sr. Anibal tinha saído para resolver um problema particular e no seu lugar estava o Zé Passarinho (eterno reserva) apaixonado por futebol e pelo Vasco.
Enquanto ele desatento ensaboava a cara do Sr. Felipe, ia discutindo futebol e o seu Vasco com os sapos que lotavam a barbearia.

Vai dai, vai dali, aconteceu a tragédia. Discordando de um comentário de um sapo, ele deslocou bruscamente o braço direito e ,como uma motoniveladora, pegou o bigode do lado do nariz até a curva do ponto de interrogação. O Sr. Felipe continuou dormindo, porém completamente sem um lado do bigode. Tal um avião com uma asa só.
O Zé Passarinho ficou lívido e toda a platéia também. O barbeiro assassino de bigodes, tirou lentamente o seu jaleco pardo, que um dia tinha sido branco, pegou uns trocados que tinha na gaveta, saiu nas pontas dos pés e quando pisou na rua, disparou rumo à estação rodoviária.
Os sapos fugiram da barbearia e cada um ficou sondando pelas venezianas das janelas de suas casas, esperando pelo pior. A notícia se espalhou rapidamente e dali a pouco não tinha uma viva alma num raio de 500 metros, como se fosse um olho de furacão: Silencioso e deserto.
O Padre Generoso, avisado, pensou em chamar o Gérson da Farmácia para dar uma injeção de anestesia no Sr. Felipe.
Quando o velho acordou, estranhou o silêncio e o deserto de pessoas. Passou uma toalha no rosto, ainda com um pouco de espuma. Foi quando sentiu uma friagem facial do lado direito.
Quando ele viu aquele lado facial, parecendo bunda de neném, deu um rugido ensurdecedor, que a Boa Vista até hoje não esqueceu. Enrolou a toalha no rosto, pegou a bengala e deixou recado que o Passarinho era um homem morto. O Sr. Felipe ficou quase um ano sem sair de casa.
Quando Zé Passarinho chegou na rodoviária, registre-se, estabelecendo o novo recorde mundial dos 800 metros rasos (não foi homologado), estava saindo um ônibus da Pássaro Marron.
Ele pulou dentro e somente quando foi pagar a passagem, tomou conhecimento de que o destino era São José dos Campos.
Dias depois, mandou buscar a família e viveu lá por cinco anos. Só voltou para Itajubá em 1963, depois da missa de sétimo dia do Sr. Felipe.
Outro dia conto a razão do apelido Zé Passarinho.